07/04/2025
Doutor em engenharia hidráulica e saneamento relata falhas nas obras da engorda de Ponta Negra e aponta caminhos para recuperação da principal praia urbana de Natal
Do Novo Jornal, na edição desta segunda-feira (7), analisando as obras da engorda da praia de Ponta Negra, na visão do engenheiro João Abner Guimarães:
ANÁLISE Engorda de Ponta Negra “não está pronta”, diz especialista
Professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil da UFRN, João Abner Guimarães, destaca as possibilidades de recuperação da principal praia urbana de capital
Tema controverso na sociedade natalense, a chamada engorda de Ponta Negra não saiu como o esperado e anunciado pelo ex-prefeito Álvaro Dias. Isso não significa que a obra, iniciada em setembro de 2024 e finalizada em janeiro de 2025, esteja perdida. Doutor em engenharia hidráulica e saneamento, o professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil da UFRN, João Abner Guimarães, lamenta a situação da principal praia de Natal, mas destaca as possibilidades de recuperação do local.
Ele é enfático ao dizer que o assunto precisa ser despolitizado e tratado com seriedade. O professor sustenta que é preciso entender que a “obra não está pronta”, mas apenas uma etapa foi concluída, sendo necessário seguir o projeto e realizar a drenagem de forma adequada.
De acordo com o especialista, os problemas enfrentados atualmente existem “porque houve uma omissão grande de todos os órgãos de controle”. Ele cita como exemplo a exploração das jazidas para a transferência da areia do fundo do mar para a praia.
“O aspecto mais absurdo dessa obra foi a ausência de um estudo de impacto ambiental da exploração da jazida. Fizeram um estudo de impacto ambiental apenas das obras da engorda, mas deixaram de analisar os impactos da exploração da jazida. Com isso, já se cometeu um crime ambiental, como define a legislação”, destaca Guimarães ao lembrar do quão prejudicial seria para a costa natalense a exploração da primeira jazida especificada no projeto.
“Por exemplo, a jazida que foi identificada no estudo de impacto ambiental como sendo a mais adequada está localizada a menos de 500 metros da praia, na altura do hotel Barreira Roxa. Imagine retirar uma enorme quantidade de material, mais de um milhão de metros cúbicos, de uma região já sujeita à erosão e próxima à praia de Areia Preta. Se tivesse sido executado conforme previsto nos estudos, os impactos sobre Natal, especialmente sobre toda a orla, seriam enormes”, explica João Abner.
Apesar da ausência do estudo de impacto ambiental das jazidas, apontada pelo professor, a obra foi executada e concluída. Ele acredita que o serviço foi feito de forma improvisada e que agora é preciso conviver com a intervenção enquanto se corrigem as falhas identificadas, que têm causado transtornos à população.
“A questão mais relevante está relacionada às deficiências da drenagem de águas pluviais, um item que também não foi aprofundado nos estudos de impacto ambiental. Foi feito um aterro, mas o sistema de drenagem existente permaneceu, baseado nas condições anteriores, em uma praia com um leito três metros abaixo do atual. Todo o sistema de drenagem foi aterrado, e isso está gerando os problemas atuais, pois não houve adequação do sistema anterior às novas condições da engorda”, aponta João Abner Guimarães.
Agora que o problema está posto, o que pode ser feito para correção?
“A situação que temos agora é de uma obra que precisa ser feita. E não é uma obra pequena, porque será necessário adequar as galerias de drenagem que atravessam as vias litorâneas. Essas galerias precisarão ser ajustadas ao novo nível da praia, já que foram projetadas para funcionar como condutos livres, sob pressão atmosférica, e não podem ser pressurizadas. Com o aterro, as caixas de chegada estão operando afogadas e transbordando. Isso significa que as galerias estão funcionando como condutos forçados, o que pode gerar problemas sérios como vazamentos, formação de espaços vazios e desmoronamentos, comprometendo o acesso à praia e até mesmo construções vizinhas”, explica.
Alagamentos na engorda
Apesar da necessidade de refazer praticamente todo o sistema de drenagem, João Abner Guimarães destaca um aspecto que exige ação emergencial para evitar danos maiores à população.
“Temos uma situação emergencial que precisa ser enfrentada: a água poluída que forma lagoas durante as chuvas, ocupando praticamente toda a área da praia. Isso é muito grave, pois se trata de uma praia com grande circulação de pessoas, que acabam atravessando essas lagoas. Isso deveria ser evitado, já que há alto risco de propagação de doenças de veiculação hídrica nessas condições. É preciso impedir o contato das pessoas com essas águas. Para isso, devem ser feitas obras emergenciais que eliminem essas lagoas”, explica Guimarães.
Para resolver o problema das lagoas, o especialista defende a canalização da água para o mar — uma medida que pode causar estranheza num primeiro momento, mas que é comum em praias de todo o mundo e eficaz na eliminação rápida de bactérias.
“É preciso facilitar o fluxo da água do sistema de drenagem até o mar. O local mais seguro e apropriado para destinar água poluída é o oceano. Isso é comum em praias ao redor do mundo, pois mesmo sem ligações clandestinas de esgoto, as primeiras águas da chuva são altamente poluentes. Portanto, é necessário garantir que essa água alcance o mar, onde a alta salinidade elimina bactérias em poucas horas. Se ela permanecer na praia, formando lagoas, a contaminação pode durar dias”, diz João Abner Guimarães, que conclui: “o princípio básico é permitir o escoamento pela areia com uma velocidade baixa, que não provoque erosão”.