07/12/2024
Jean Paul Prates quebra o silêncio e diz que toda crise no governo Lula, incluindo a que levou à sua demissão, é criada pelo próprio governo, e não pela oposição
Vivendo os finalmentes da quarentena à qual foi submetido ao deixar a presidência da Petrobras, Jean Paul Prates começa a dar entrevistas, começa a falar..
E nessa conversa com o Globo, não poupou críticas ao governo Lula, por manter, dentro do próprio governo, seus maiores adversários.
"Oposição a Lula está dentro do próprio governo, diz ex-presidente da Petrobras" é a manchete do jornal.
Confira a entrevista:
Sete meses após ser demitido da presidência da Petrobras, Jean Paul Prates rompeu o silêncio pela primeira vez para contar sua versão de como foi a conturbada saída da empresa. Em entrevista ao GLOBO, afirmou acreditar ter contrariado interesses "que certamente não estava atento" e, embora diga não saber quais eram, aponta o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, como um dos responsáveis por convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tirá-lo do cargo.
Ele relatou ter ficado incomodado com a presença de Silveira no gabinete de Lula quando foi comunicado da demissão.
— Foi muito desagradável — relembra Prates, que ainda busca uma audiência com o presidente para "passar a situação a limpo".
Prates recebeu reportagem na sua rápida passagem por Brasília, no hotel onde estava hospedado. Trazia um terço árabe sobre a mesa. Sobre sua sucessora, Magda Chambriard, o ex-dirigente disse crer que a opção foi colocar no cargo alguém que "não vá criar caso" e que dependa mais de quem a indicou, em uma referência a Silveira.
Para o ex-senador, filiado ao PT, Lula erra ao manter na base aliada partidos que criam dificuldades no Congresso e crises dentro do próprio governo, como a que resultou em sua demissão.
— A oposição está dentro do próprio governo — afirmou.
Ficou alguma mágoa da forma como o senhor foi demitido pelo presidente Lula, na presença dos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil)?
Na hora foi muito desagradável, mas depois entendi a situação. Houve uma última conversa em que o presidente me disse: “você não está recuando, tem alguns pontos de vista aqui dos ministros”. E eu falei: "eu não posso (recuar), porque eu sei o que eu estou fazendo. Sinta-se à vontade, o cargo é seu”. Aí ele respondeu que iria me substituir. Refletindo muito sobre aquela cena, eu percebi que o presidente estava desgastado com o embate, não era comigo. Tanto que depois houve um contato dele por uma pessoa dizendo: “vamos conversar, aquele momento ali não foi muito legal”. Ele estava pressionado e as pessoas ali aproveitaram a circunstância. Não tinha a ver com a Petrobras, nunca teve, na verdade. Não tenho ressentimentos, não existe mágoa com o presidente, nem mesmo com os ministros, porque é o jogo da política. Eu perdi essa batalha.
O senhor falou com o presidente depois?
Não, só através de outras pessoas.
O que o senhor acha que pesou mais para a sua demissão?
Foram falsas crises criadas para fragilizar a presidência da Petrobras. Por qual razão, eu não sei. Um dia vai se descobrir. Mas não havia crise do gás, não havia crise na fábrica de fertilizantes, também não teve crise dos estaleiros. Nós tínhamos programado, inclusive, um negócio chamado Mar de Oportunidades, que era um programa de resgate de estaleiros que nunca foi lançado. Foi apresentado à Casa Civil e foi engavetado, porque disseram que era mais do mesmo e não era. E, por fim, não havia crise de dividendos. Tanto não havia que os dividendos foram pagos agora.
Qual interesse o senhor acredita ter contrariado?
Haviam alguns outros interesses envolvidos, provavelmente, que eu certamente não estava atento. Talvez alguma coisa com relação ao próprio plano estratégico, à política, indicação de algumas pessoas na Petrobras que desagradaram. Pontualmente, foram coisas muito pequenas.
O senhor atribui a esses mesmos interesses as trocas nas diretorias que ocorreram após sua saída e, neste momento, as disputas no Conselho de Administração?
O desgaste com o Alexandre (Silveira) ocorreu inclusive por conta dessas coisas. O problema não era com o fato de o ministro indicar conselheiro, mas alguns conselheiros, alguns, é bom que se diga, começaram a deliberadamente dificultar as coisas. A gente levava para a pauta, não evoluía, e o próprio presidente do conselho falava: “você tem que falar com o ministro, tem que pedir para ele". Para a presidência da Petrobras, isso é absurdo. A empresa é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, ela não é subordinada.
Para o senhor, isso configurou uma interferência do governo?
Não acho que seja interferência. Interferência pode haver, porque o governo é o acionista majoritário, mas faz parte de uma lacuna de governança essa nebulosidade de até onde você você pode mexer numa diretoria, ou pior ainda, numa gerência. A forma de dar comandos ao presidente da Petrobras e à sua diretoria é o Conselho de Administração. Então, a ordem dada pelo ministro ou mesmo pelo presidente da República tem que ser comunicada. E essa é a falha da governança que ainda existe na Petrobras. Eu diria que 98% da governança está perfeita. Os 2% que faltam são exatamente a lacuna de como o governo, sendo acionista majoritário, se comunica e organiza as diretrizes e instruções que ele dá para a diretoria.
Diante do histórico de ingerências, loteamento político, escândalo da Lava-Jato, o senhor acredita que esse modelo deveria mudar?
Não é mudar o modelo, o modelo está ótimo. A Lava-Jato foi construída em cima da governança da Petrobras. Só existiu porque havia elementos, fluxos e coisas que foram registrados lá. Jamais haveria uma Lava-Jato no Dnit, no Dnocs, na Codevasf, porque não tem como, quem entra lá apaga a prova. Paga isso, faz isso, faz aquilo, não tem governança nenhuma. Zero.
Então como enfrentar esses 2% que faltam para melhorar a governança?
Talvez o presidente da República poder escolher o presidente da Petrobras, uma diretoria e eles terem um mandato, por exemplo, para fazer as coisas. Teria que ter muito mais cuidado ao designar essas pessoas, porque elas teriam um mandato. E, no dia a dia, as instruções do governo também teriam que ter um ritual, um rito, para serem passadas.
Como avalia os resultados apresentados pela nova presidente, Magda Chambriard?
Eu não vou julgar os resultados, até porque ainda não estão consolidados. Prefiro me abster de comentar resultados nesse momento, até pela minha situação também. Quem deve comentar isso são as pessoas que estão lá, que, aliás, comentam muito pouco. Agora, o que eu acho que a gente tem que comentar é o que será a Petrobras daqui para a frente. Nós estávamos buscando fazer o ponto de inflexão para a transição energética, que não havia sido feito antes. A gente já estava atrasado dez anos. Eventualmente, é possível adotar uma posição um pouco mais comedida e dizer: "vou fazer aqui o arroz com feijão, o petróleo mesmo, e ver o que vai dar". A meu ver, isso já foi experimentado antes. Na época da presidente Graça Foster, ela fez isso por necessidade, porque pegou a ressaca da Lava-Jato. Ela travou a empresa toda.
O senhor vê a presidente Magda nesse mesmo momento?
É a impressão que dá, pelo menos no discurso, não sei se na prática. Continuar fazendo o que estava sendo feito, mas sem botar a cabeça fora. A gente já não vê mais falar de determinados assuntos. Se a política energética não está clara, ou melhor, está claro que ela é influenciada por quem tem mais prestígio junto às autoridades, a tendência é distorcer o processo natural de transição energética.
O senhor vê ação de algum lobby específico para ela ter sido escolhida para o cargo?
Não acredito que ela tenha sido colocada por algum lobby, mas acredito que tenha havido uma alteração para colocar uma pessoa que dependa mais da decisão de quem indicou. Eu, no caso, fui colocado diretamente pelo presidente da República, num momento onde ele tinha acabado de ganhar a eleição. Agora é diferente. Eu fui tirado por uma congeminação de factóides e de intrigas. Então, provavelmente, a origem dessa indicação foi de colocar uma pessoa que não vá criar caso. Não posso dizer que tenha sido algum grupo de interesse específico, isso eu não tenho a menor condição de afirmar.
Uma das questões não resolvidas da sua gestão foi a questão da Margem Equatorial, que sofre resistências do Ibama e da ministra Marina Silva (Meio Ambiente). O senhor acha que tem chance de avançar?
Tive conversas com a ministra Marina, com o Rodrigo Agostinho, do Ibama, e a nossa previsão era de que em outubro a gente anunciaria um acordo. A ideia era mostrar que essa perfuração é investigatória, ela é simplesmente de exploração, e que nós teremos um outro período de discussão, mais severo, quanto às instalações de produção. É uma sonda fazer três ou quatro furos, exploratórios, tirar os testemunhos, e dizer que tem óleo. Só isso. Aí para tudo. E aí vem outra guerra, para pegar outra licença.
Uma vez que se encontre óleo lá, tem como parar?
Não é imparável. Mas esse é um argumento dela que eu respeito. Só que meu argumento contrário é que a gente está fazendo o nosso dever de casa. Eu estou entrando em eólica offshore, estou entrando em hidrogênio, estou, inclusive, ajudando o Brasil a trilhar esse caminho. Mas é preciso continuar com o meu fluxo de caixa e ele vai ser severamente afetado pelo declínio da produção da Bacia de Campos. Então me deixa ter pelo menos uma expectativa de ter reserva aqui e vamos discutir novamente.
A nova gestão da Petrobras cancelou o contrato da Unigel, assinado na sua gestão, que o TCU apontou irregularidades. Como o senhor viu essa decisão?
O contrato perdeu o seu propósito. Era um contrato de emergência. Uma das coisas que a fábrica de intrigas fez foi transformar aquele contrato como se fosse uma coisa obscura, alguma coisa de interesse particular ou estranho. Não tinha nada disso. São duas unidades que os trabalhadores reivindicavam, inclusive, que não parassem, porque seriam demitidas 250 pessoas, mais até, e que estavam com um grupo que arrendou da Petrobras.
O TCU apontou que o contrato geraria um prejuízo de mais de R$ 400 milhões à Petrobras.
Eu fui explicar ao TCU, eles aceitaram inicialmente, mas depois o contrato foi se deteriorando e aí virou realmente um prejuízo só. Na época eu expliquei que não era prejuízo. Tinham três cenários: um custava 3, o outro 2 e um outro 1, mas todos custavam alguma coisa. Era um contrato ponte, de oito meses. Durante esse período, as duas empresas iam conversar, porque enquanto elas estavam conversando, as plantas estavam paradas e as pessoas iam ser demitidas.
O senhor tem planos de voltar a disputar um cargo político?
Não. Zero intenção de disputar. Eu saí da Petrobras e ninguém me ofereceu nada. Acho que a forma pela qual tudo aconteceu foi tão bem feita que pessoas devem ter pensado: alguma coisa ele fez, sendo que eu não fiz nada. Não roubei, não traí o presidente, tudo era balela. Eu conto nos dedos de uma mão pessoas do PT que me ligaram e foram meus amigos até esse momento.
Acredita que sua imagem foi prejudicada?
Não acho que ficou prejudicada. É uma opção minha baseada numa convicção que o partido é o técnico do político. Se eu estou na política partidária e eleitoral, o meu técnico não sou eu, o meu técnico é o partido. Neste momento compreendi que a mensagem é: "você não está escalado para nada". Então, vou cuidar da minha vida porque eu não tenho política como profissão. Minha profissão é executivo e gestor público ou privado de recursos naturais e energia.
E como vê a estratégia do PT em relação à governabilidade, ao abrir espaços para partidos de centro, como o PSD, do ministro Silveira?
As circunstâncias mudaram muito. O que antes o governo controlava com ministérios, abrindo espaços, hoje não controla mais. Acabamos de ver uma votação em que dois partidos governistas votaram majoritariamente contra medidas do governo. Falta articulação, mas não é só isso. Falta uma visão de guarda-chuva geral, chamar todo mundo e dizer: "se você é o partido x e tem o delegado, o coronel, o antilulista, ou você trata com esse cara ou tem que sair da base do governo. Vai me devolver o ministério". Tem que haver um basta para atrair uma base uníssona. A oposição hoje está dentro do governo Lula. Toda crise que acontece não é provocada pela oposição, é pela própria base governista.
Inclusive na que levou à sua demissão?
Inclusive nessa.