18/10/2024
Influenciadora famosa, Cíntia Chagas quebra o silêncio e revela que se separou de deputado do PL para não ser vítima de feminicídio
Depois de muitas notícias, especulações, verdades e mentiras sobre a polêmica separação da influenciadora direitista de mais de 6 milhões de seguidores, Cíntia Chagas, a própria resolve falar das agressões que disse ter sofrido do marido, o deputado bolsonarista Lucas Bove, de São Paulo.
Ela concedeu entrevista à revista Marie Claire.
Aliás, Bolsonaro está nos autos da separação, já que, entre uma das várias gotas d'água, está a expulsão de Cíntia, pelo marido, de uma festa de casamento, só porque ela não quis parar de jantar para tirar uma foto com Jair Bolsonaro, como o marido direitista violento exigia.
Deus, pátria, família.
Detalhe: diante das agressões que sofreu do ex-marido, todas expostas pela imprensa, que fizeram o deputado bolsonarista ser denunciado ao Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cíntia Chagas não recebeu sequer uma mensagem de solidariedade da ex-primeira-dama e presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro.
Lembrando que, quando foi expulsa da festa porque não queria parar de jantar para tirar foto com Bolsonaro, Michelle estava na mesa com Cíntia.
Silenciou sobre as agressões 'sofridas' pela amiga...
Amiga, é?
Leia a reportagem gigante e trechos da entrevista de Cíntia à revista Marie Claire.
Em primeira entrevista após o vazamento do B.O. em que denuncia o deputado estadual Lucas Bove (PL-SP) por violência doméstica, Cíntia Chagas fala com exclusividade sobre as agressões e ameaças às quais diz ter sido submetida por mais de dois anos. Afirma ainda que teria sido feita de “cabo eleitoral” pelo ex-marido, detalha o episódio em que foi ferida por uma faca na perna, perseguições recorrentes e coerção por abuso de poder – inclusive citando Ricardo Salles e Michelle Bolsonaro.
A Marie Claire, a defesa de Bove afirma “a mais absoluta inocência” e informa “pedido de contracautela” contra Chagas.
Por Camila Cetrone, Mariana Gonzalez e Natacha Cortêz (SP).
“Você só não apanha porque tem 6 milhões de seguidores. Se não, eu estaria te chutando no chão agora.”
Esta foi a frase que a professora de português e influenciadora Cíntia Chagas diz ter ouvido do então marido, o deputado estadual Lucas Bove (PL-SP), após ser ameaçada com um soco. Era a madrugada de 3 de agosto de 2024 e ela estava prestes a fechar a porta da casa onde moravam, em São Paulo, para nunca mais voltar.
“Se eu continuasse com ele, o risco era virar mais uma vítima de feminicídio, então saí de casa”, relata em entrevista concedida a Marie Claire por videochamada, em Nova York, onde estava para um compromisso profissional.
A conversa aconteceu na tarde da última quinta-feira (17), um dia depois de seu aniversário de 42 anos. “Pensei três vezes em desistir da entrevista. Dá medo, né? Das consequências”, diz, do outro lado da câmera.
Horas antes da ameaça, em 3 de agosto, Chagas diz que foi expulsa pelo próprio marido de um casamento em que estavam em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O motivo, segundo ela, foi não ter aceitado parar seu jantar para fazer uma foto com o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que também participavam do evento.
“Ele disse que eu havia feito ele passar uma grande vergonha [por negar].” Na mesma noite, a professora diz que teve seu carro perseguido na rodovia que liga Ribeirão à capital paulista. “Além de me expulsar de um apartamento que era nosso, jogou uma garrafa d’água em mim, bateu cinza de cigarro em uma bolsa minha, falou que se eu ficasse lá eu não conseguiria dormir e ameaçou queimar minhas roupas.”
A separação aconteceu em 3 de outubro (7 meses depois de se casarem na Itália e 2 anos e 4 meses depois do começo do namoro), mas foi privada dos olhos do público – além de a situação envolver a vida de um deputado de 36 anos, envolve a de Chagas, que soma 6,6 milhões de seguidores somente no Instagram.
Ao anunciarem o fim do seu casamento nas redes sociais, ela alegou “divergência de objetivos”; Bove, por sua vez, deu a entender que a separação aconteceu porque a mulher não queria ter filhos, o que ela nega.
“Que bonitinha. Você vai me denunciar na Lei Maria da Penha, vai? Eu sou um deputado, meu amor. Acabo com você na hora em que eu quiser. Você será a louca. Experimente me enfrentar”
Após receber repetidas ligações e mensagens de Bove buscando uma reconciliação – tanto pelo celular dele como de terceiros, desde familiares e amigos a números da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) –, mesmo depois de sinalizar que não gostaria de falar com ele, Chagas registrou um boletim de ocorrência em 4 de setembro na 34ª Delegacia de Polícia do Morumbi, em São Paulo.
O caso corre em segredo de Justiça, mas, no último dia 10, o B.O. foi vazado para a imprensa. Chagas diz que não tem ideia de como.
Cintia e Lucas Bove se casaram em abril de 2023, em cerimônia no Lago di Como, na Itália
Marie Claire teve acesso ao processo judicial, que corre na Vara de Violência Doméstica do Fórum do Butantã, em São Paulo, bem como às provas apresentadas por Chagas — prints de conversas de WhatsApp e gravações em áudio. A partir do que foi relatado, a Polícia Civil identificou a prática de quatro crimes: violência contra a mulher, ameaça, injúria e perseguição.
Em 5 de setembro, dia seguinte ao registro da ocorrência, a juíza Danielle Galhano Pereira da Silva concedeu a Chagas uma medida protetiva proibindo que Bove se aproximasse dela e de pessoas próximas a ela; a decisão proíbe também que ele tente contatá-la por qualquer meio. Nos autos, ela ainda solicita o divórcio, que recebeu parecer favorável do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Falar sobre as agressões não foi uma escolha. Nos primeiros dias, a professora se manteve calada, recusando pedidos de entrevistas, inclusive de Marie Claire. Diz que queria evitar “exatamente o que está acontecendo agora”, referindo-se à exposição. Mas mudou de ideia. Ela quer que seu caso ajude outras mulheres a identificar sinais de violência em seus relacionamentos – sobretudo as que compartilham o mesmo viés político que ela. A própria só entrou em contato com essa realidade agora: conta que não sabia identificar os sinais ou os estágios de um ciclo de violência antes de se entender como uma vítima.
“Eu queria ter uma relação tradicional, bonita e romântica. Queria ser protegida, alguém de voz firme, ter um homem que fosse mais homem do que eu. Confundi força com abuso”, explica.
"Abri mão do amor que tenho por ele pelo meu amor próprio. Todas as mulheres deveriam fazer isso"
Nascida em Belo Horizonte, Cíntia Chagas é formada em Letras e começou a trabalhar como professora em 2008, profissão que a levou a ter projeção quando começou a realizar mutirões de aulas de português para vestibulandos.
Há 10 anos, cria conteúdo para o Instagram e ganhou ainda mais notoriedade com vídeos em que critica o uso de linguagem neutra. Essas postagens começaram a ser compartilhadas por lideranças da extrema direita e, assim, ela se inseriu no círculo político bolsonarista. Em janeiro, por exemplo, afirmou que “a mulher precisa se submeter ao homem” e que há situações em que deve pedir permissão ao marido – falas das quais, hoje, diz se arrepender.
Justamente pelos ideais conservadores, pessoas de todos os polos políticos se dividiram entre chamá-la de “aproveitadora” a “merecedora da violência”.
Quadros da direita que considerava seus aliados se mantiveram em silêncio – “Me causa estranhamento o fato de o PL Mulher [divisão presidida por Michelle Bolsonaro] ter entrado em contato com o agressor e não com a agredida”. Em contrapartida, recebeu apoio de um grupo que não esperava: no dia do vazamento do B.O., a Coalizão Nacional de Mulheres, organização feminista que criticou Chagas pela afirmação sobre o papel das mulheres no casamento, publicou uma nota em apoio a ela. “Chorei quando li.
"Ao colocar uma espécie de esparadrapo na boca, [Lucas Bove] debocha da Lei Maria da Penha, do Judiciário, de mim e de todas as mulheres que apanharam no Brasil"
Lucas Bove foi eleito deputado estadual em outubro de 2022, com pouco mais de 130 mil votos.
Autodeclarado bolsonarista, atualmente é vice-líder de seu partido na Alesp e vice-presidente da Comissão de Educação do Estado de São Paulo.
Após a denúncia de Chagas e a instauração das medidas protetivas, Bove foi denunciado no Conselho de Ética da Alesp por parlamentares do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e do Partido dos Trabalhadores (PT) na Casa.
Em 16 de outubro, usou o púlpito para negar as acusações e afirmou ter sido “cerceado” de falar do tema. “Sou totalmente a favor, desde que condenado, transitado e julgado, da cassação de qualquer vagabundo que agredir uma mulher, o que não foi meu caso. O que ocorreu eu não posso falar aqui. Espero que o Conselho de Ética acolha, sim, a decisão, mas que incorra em julgamento quando a Justiça permitir que eu me defenda”, diz. Na capa do vídeo publicado no Instagram, ele aparece com a boca tampada com esparadrapo, em que se lê “segredo de Justiça”.
Marie Claire procurou o deputado por meio de seus advogados, Camila Felberg e Daniel Leon Bialski. Em nota enviada à reportagem, reproduzida na íntegra ao final desta entrevista, reforçam a “mais absoluta inocência” de Bove. E afirmam que fizeram um pedido de contracautela “para que sejam fixadas medidas cautelares contra a Cíntia Chagas” e que foram compilados “diversos documentos que evidenciam que a narrativa dela não é verdadeira”.
Leia os principais trechos da entrevista de Cíntia Chagas para Marie Claire
MARIE CLAIRE Como você está se sentindo neste momento?
CÍNTIA CHAGAS Estou triste, assustada. Não imaginei que a situação fosse chegar ao ponto que chegou. Não queria estar vivendo absolutamente nada disso. Por outro lado, fico satisfeita com o tratamento que tenho recebido das autoridades. Sou uma mulher de posição privilegiada e pude contar com esse tratamento, mas ele deveria ser extensivo a todas as mulheres que sofrem violência doméstica. Tenho fé de que a justiça será feita, mas me sinto invadida por tudo que está ocorrendo.
MC Qual foi o estopim que a levou a fazer o boletim de ocorrência?
CC As chantagens e as ameaças que sofri. O que queria mesmo era me divorciar. Não tivemos filhos, bens a partilhar, nada que fosse um impeditivo para nossa separação. Mas, a partir do momento em que ele passou a me ameaçar, dizendo que retiraria o meu sustento e mancharia a minha reputação por meio de vídeos editados, e a partir do momento em que ele disse que não tinha muito a perder, mas eu tinha, fiquei com medo. Então procurei a Gabriela [Manssur, sua advogada que representa Cíntia Chagas] para fazer o boletim de ocorrência.
MC Você teme pela sua vida?
CC Sim, por tudo que vivi com ele e pela forma como ele conduziu nossa relação. Ele tem uma arma e, conforme ele mesmo falou, perderia apenas o sonho dele na política caso as pessoas soubessem o que ele fez comigo. Já eu perderia tudo. Não sei exatamente o que é esse “tudo”, mas tenho medo da intempestividade dele. Desde que o B.O. vazou, ando em carro blindado, acompanhada por seguranças.
"Ele dizia que a ausência da figura masculina na minha vida fez de mim uma mulher que não sabe tratar um marido, que só sabe trabalhar. E que ele era a minha última chance de me consertar, porque eu estava ficando velha"
MC Até o momento, a medida protetiva está sendo respeitada?
CC Depende da interpretação. Ele não poderia falar de mim, mas tem falado de modo indireto. A medida é bem clara nesse sentido: não entrar em contato, não fazer menção, não postar nada sobre mim ou meus familiares. Mas ele tem feito isso o tempo todo. A meu modo de ver, ao colocar uma espécie de esparadrapo na boca [no vídeo publicado em 16 de outubro nas redes sociais], ele debocha da Lei Maria da Penha, do Judiciário, de mim e de todas as mulheres que apanharam no Brasil.
MC Uma matéria publicada no Metrópoles diz que a vereadora eleita Zoe Martínez teria influenciado a separação ao provocar crises de ciúmes em você. Isso é verdade?
CC Inacreditável. Os motivos da separação estão no boletim de ocorrência. A vereadora Zoe nada tem a ver com o meu divórcio. Ele está tentando distorcer as informações.
MC Você é uma das vozes que mais ressoam dentro da direita nas redes sociais, sobretudo entre mulheres. Por que é importante falar sobre a violência que sofreu?
CC Talvez exista um preconceito [entre mulheres de direita] em relação à literatura que gira em torno das agressões, da violência contra a mulher. Não se trata de um assunto sobre o qual conversamos no dia a dia, e isso é absurdo. Honestamente, não tinha conhecimento sobre os passos de um relacionamento abusivo. Não entendia. Agora que parei para ler e entender que vivenciava tudo aquilo e que, muitas vezes, achava que a culpa era minha, que era eu quem provocava. Achava que o problema era meu sucesso e que, de certa forma, eu o constrangia. Queria ter uma relação tradicional, bonita e romântica. Passei a vida inteira trabalhando, desde os 12, 13 anos. Sou arrimo de família, construí minha vida sozinha. Queria ser protegida, alguém de voz firme, meu sonho era ter um homem firme que fosse mais homem do que eu, que me amparasse. Mas agora entendo que, por não conhecer os processos de um relacionamento abusivo, confundi força com abuso. O limite entre essa firmeza e a violência é muito tênue. E eu entendo que as mulheres de direita – não todas, é claro, mas muitas delas, assim como eu – não têm acesso a isso.
"Ele era um príncipe. Era uma promessa de um homem amável, doce. Trouxe para mim um ideal. [...] Ele tinha um lado bom. Achei que se nos casássemos ele me trataria melhor porque seria meu marido"
MC Em que momento percebeu que essa linha tênue foi cruzada?
CC Assisti àquele filme É Assim que Acaba, e há uma cena de violência doméstica. Ela[Lily Bloom, protagonista vivida pela atriz Blake Lively] vê de um jeito, mas a cena passa novamente a partir do prisma real. Ali entendi o que eu estava vivendo, porque sempre criei uma desculpa para as atitudes dele. O que fez com que a relação acabasse foi o fato de ele ter me expulsado de um casamento ao qual fomos em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Eu não quis parar meu jantar para fazer uma fotografia com ele [e com Michelle e Jair Bolsonaro]. Depois ele quis que eu voltasse, eu recusei, e ele veio correndo,tentando achar o carro na rodovia. Quando ele chegou à nossa casa, em São Paulo, em um intervalo mínimo de tempo, ele quis que eu voltasse com ele para Ribeirão Preto. Falei que não. Ele disse que eu havia feito ele passar uma grande vergonha, então veio para me dar um soco e falou: “Você só não apanha porque você tem 6 milhões de seguidores. Se não, eu estaria te chutando no chão agora”. Foi quando acabou para mim. Como se não bastasse, ele ainda me expulsou de um apartamento que era nosso.
MC Expulsar você de casa ou outros lugares era algo recorrente quando vocês brigavam?
CC Sim, especialmente no carro. Já aconteceu de ele me mandar descer no meio da rua, eu me recusar, ele puxar minha orelha com a mão direita e gritar aqui dentro [aponta para o ouvido]... Continuando, ele jogou uma garrafa d’água em mim, bateu cinza de cigarro em uma bolsa, falou que se eu ficasse no apartamento eu não conseguiria dormir e ameaçou queimar minhas roupas. Se eu continuasse com ele, o risco era virar mais uma vítima de feminicídio, então saí de casa. Mas, antes disso, houve vários episódios. Ele sempre dizia que iria melhorar. E eu sempre acreditei. Ele ia à terapia, estava tomando remédios para se acalmar, passava por um período melhor, mas logo piorava de novo, e a coisa foi ficando insustentável. Quanto mais eu crescia no Instagram, mais ele queria que eu trabalhasse para ele. Eu não era uma mulher, era um cabo eleitoral. Ele me queria na política de qualquer forma, o que foi contribuindo para o nosso desgaste.
MC De que forma ele queria inserir você na política?
CC Queria que eu fosse a eventos e que os donos falassem da minha presença para que, dessa forma, ficassem cheios. Queria que eu apoiasse os vereadores que ele apoiava, que eu viajasse pelo interior de São Paulo em eventos de vereadores que ele queria eleger, ou que palestrasse gratuitamente para apoiadores dele. Brigávamos muito por isso, muito mesmo. Cedi várias vezes e fui a vários eventos aos quais não queria ir. Quando eu não cedia, ele ficava sem falar comigo por uma semana. Ele dizia que como eu não tive pai, eu não sabia… [chora] eu não sabia como tratar um homem, que a ausência da figura masculina na minha vida fez de mim uma mulher que não sabe tratar um marido, que só sabe trabalhar. E que ele era a minha última chance de me consertar, porque eu estava ficando velha… [chora] e ele era um príncipe. Era uma promessa de um homem amável, doce. Ele trouxe para mim um ideal.
MC Como vocês se conheceram?
CC Ele veio até mim pelo Instagram, no primeiro semestre de 2022, quando era um aspirante à política. Ele me mandava directs, mas eu não respondia, não sabia quem ele era. A essa altura, eu tinha uns 800 mil seguidores, ele tinha 30 mil. E o Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, convidou-o para fazer o que chamam de “dobrada”: o Ricardo entraria como deputado federal e o Lucas, como estadual. Montaram um podcast chamado ConservaTalk, em que os dois entrevistavam pessoas conservadoras. Eu, nessa época, entrevistava gente de todo tipo no meu YouTube, do Oscar Schmidt até a Roberta Miranda e também alguns políticos. Cheguei a entrevistar o Salles e o Lucas sugeriu a ele que, em contrapartida, eu fosse convidada para dar uma entrevista ao podcast. Aconteceu virtualmente, e foi quando conheci o Lucas, que ainda era pré-candidato. Começamos a conversar no direct, um dia passei meu WhatsApp para ele, e foi isso. Uma vez passamos oito horas no telefone, em três dias. Antes mesmo de me beijar ele já falava que eu era perfeita para ele, que tinha certeza de que, quando nos conhecêssemos, iríamos namorar e casar. Ele me pediu em namoro ajoelhado. Aceitei. Era tudo lindo, cinematográfico. E aí comecei a fazer campanha para ele. Liguei para todas as pessoas que conhecia da imprensa da direita – Rodrigo Constantino, Leda Nagle, Pânico, todo mundo – e dizia que estava namorando um pré-candidato a deputado, que a pauta dele era a educação e que acreditava que ele era perfeito, honesto e íntegro. Fui a passeatas com ele, cheguei a subir no carro de som, apresentei ele a quem pude, à direita de um modo geral.
“Relacionamento amoroso na minha vida sempre foi difícil, exatamente pelo fato de eu sempre escolher homens que tivessem um perfil mais protetor. Acho que confundi protetor com narcisista"
MC Quando e como você conquistou essa influência política?
CC: Por causa do dialeto não binário. Nunca me considerei uma ativista de direita, a minha pauta é a língua portuguesa. Defendo a língua portuguesa, e creio que o dialeto não binário seja pernicioso para a comunicação. Só que essa é uma pauta defendida pela direita, então acabei entrando nesse viés político. Sou de direita, tenho valores mais atrelados ao conservadorismo, sim, mas nunca quis estar ali. Nunca tive essa aspiração de conviver com essas pessoas. Gostava mais do mundo das celebridades.
MC No B.O., está descrito o episódio no qual ele feriu você com uma faca. Como foi esse momento?
CC Foi no meio de uma discussão. Estávamos à mesa jantando e brigamos. Não lembro o motivo, nunca ficamos mais do que 4 dias sem uma briga. Devo ter dado uma má resposta, levantei-me e fui até a geladeira. Da mesa, ele arremessou a faca na minha direção, bateu na minha perna e comecei a sangrar. Eu disse: “Olha o que você fez. Isso é violência, é agressão”. E ele respondeu: “Que bonitinha. Você vai me denunciar na Lei Maria da Penha, vai? Eu sou um deputado, meu amor. Acabo com você na hora em que eu quiser. Você será a louca. Experimente me enfrentar”. Na hora em que ouvi isso, disse para mim mesma que ele não era assim, que ele era aquele príncipe que conheci. O que estava acontecendo era só porque ele saiu de si. Damos justificativas para absolutamente tudo, o tempo todo, e nos tornamos permissivas com essas violências, assim como no filme. As pessoas questionam por que eu fiquei com ele por mais de dois anos. É como se fosse uma droga. Queria que ele voltasse a ser aquele homem que se ajoelhou na minha frente, e tentava me convencer e convencer meus amigos e minha família – os poucos que sabiam – de que o que eu vivia era uma fase.
"Ele adorava me provocar ciúmes, sempre deu a entender que todas as mulheres o queriam, que ele era o deputado mais assediado da Alesp"
MC Em que momento vocês decidiram morar juntos?
CC Ele era ciumento, mexia no meu celular, tinha a senha e controlava a minha vida. Minhas mensagens para ele eram assim: “Entrei no táxi”, “cheguei ao aeroporto”, “decolando”, “aterrissando”, “indo para o hotel”, “começando a palestra”. Tinha de dar esse passo a passo todo pra ele, com fotos comprovando onde eu estava. Se eu demorasse duas horas em um local sem dar as caras, tinha de comprovar o que houve. Ele disse: “Se você morar sob o mesmo teto que eu, vou ter mais controle da situação”. Ele sabia que exagerava, que errava, mas disse que teria controle disso se morássemos juntos. Foi assim que decidimos morar juntos, para que ele melhorasse.
MC No B.O., você descreve uma série de apertões que recebia e que lhe causavam lesões. Você pedia para ele parar, mas ele respondia que estava viciado naquele comportamento. Ele se defende afirmando que esses hematomas vieram de momentos de intimidade entre vocês. Como esses apertões aconteciam?
CC O primeiro apertão que ele me deu foi, sim [em contexto de intimidade], é verdade. Depois que aconteceu, eu mandei para ele a foto do meu braço, nós conversamos e falei que não queria ter relacionamentos íntimos desse tipo. Sou uma pessoa pública, não posso aparecer cheia de roxos. E também não me agrada. Depois disso, ele passou a apertar as minhas pernas, dizendo que “na perna ninguém vê”. O que mais me chama atenção é que esses apertões ocorriam depois das brigas, quando ficávamos bem. Ocorriam enquanto ele estava dirigindo e me apertava com muita, mas muita força, e enquanto eu não gritasse ou chorasse, ele não parava. Houve vezes em que reagi instantaneamente – uma vez ele apertou e eu dei um chute. Ele falava que eu não sabia brincar, que apelava muito facilmente. “É que você é muito gostosa.” “É que eu estou viciado nisso.” Foram meses assim, até que mandei aquele vídeo pedindo para ele parar e ele disse: “Você tem razão, eu passei do ponto”. Ele assumiu que exagerou, mas passou a apertar o meu peito. É vergonhoso falar isso, mas ele chegou a fazer isso na frente das pessoas. Realmente não tinha conotação sexual. Ele tinha isso como uma brincadeira, mas de mau gosto. E quanto mais eu crescia profissionalmente, mais essas “brincadeiras” aumentavam.
Ele tinha mania de me apertar com as duas mãos nos meus ombros. De tanto ele me apertar, um dia acordei com muita dor e fui ao hospital. Avisei por mensagem e ele disse que iria me buscar. Não pedi, mas ele falou que buscaria depois que eu fizesse todos os exames. Fui imobilizada com uma tipoia. Perguntei a que horas ele me buscaria, porque queria saber se eu tomava café da manhã no hospital ou não. Ele começou a gritar, a me chamar de mimada, dizer que ele não era meu motorista e que iria na hora que ele quisesse. Falei: “Pode deixar, pego um táxi”. Cheguei em casa, fiz meu café da manhã e ele apareceu debochando de mim. “E aí, qual foi a frescura da vez?” Respondi meu diagnóstico e ele continuou dizendo que não era nada, que era frescura. Comecei a chorar, disse que estava me sentindo sozinha, minha família e meus amigos estão todos em Belo Horizonte. Ele disse que a partir dali seria assim, ele não me ajudaria mais em nada. No fim, ainda fez uma piada: “Você fica muito melhor maneta [se referindo à tipoia] do que com os dois braços, porque nunca vi a cozinha tão limpa”. Ali percebi que havia nele muita crueldade. Ele adorava me provocar ciúmes, sempre deu a entender que todas as mulheres o queriam, que ele era o deputado mais assediado da Alesp. Tentava incutir em mim o ciúme que ele sentia.
MC Como o relacionamento com o deputado interferiu na sua vida profissional?
CC No último ano, cresci muito profissionalmente. Hoje faço 12 a 14 palestras por mês. Quando vocês chegam em casa, depois do trabalho, talvez queiram contar para quem mora com vocês sobre o que aconteceu no trabalho. Eu não podia fazer isso, porque ele falava que eu era uma narcisista, que só queria falar de mim. Falava com ironia, com deboche: “Fala, Cíntia Chagas. Mostra como você é brilhante. Fala de você”. O diálogo entre nós foi acabando. Uma vez, fomos a um evento em Balneário Camboriú em que estavam Bolsonaro e Michelle, e depois deles eu era a pessoa mais assediada. Não conseguia andar de tanta gente querendo tirar foto comigo. Ele olhou pra mim e disse: “É uma pena que você não mereça isso”. Chegou um momento em que precisei ir ao banheiro e ele reclamou que eu bebia muita água. E disse: “Será que você não poderia ficar quieta como uma esposa normal?”. No início, ele não me chamava de burra, usava outros xingamentos, como “vagabunda”. Mas, depois que passei a crescer e fazer mais sucesso, passou a me chamar de burra corriqueiramente. Uma frase que eu ouvia muito era: “Você é só uma mulher bonita que fala bem”.
MC No B.O., você diz que o primeiro grande conflito que tiveram foi quando você postou seu primeiro publipost importante, em que aparecia se exercitando em uma academia. O que se lembra desta ocasião?
CC Era uma entrega para uma empresa de emagrecimento saudável. Publiquei um vídeo treinando, não tem absolutamente nada demais. Estou completamente coberta – aliás, eu me tornei uma pessoa muito mais coberta em razão dele –, sem barriga de fora, sem nada marcando. Nessa época, ainda morávamos em casas separadas. Ele viu o vídeo e me mandou mensagem pedindo para apagar. Respondi que não apagaria, porque era uma publicidade paga, não fazia sentido. Ele começou a usar o próprio perfil para comentar essa publicação, dizendo que o produto não funcionava, que eu não fazia nada daquilo. Decidi bloquear os comentários. Ele apareceu na minha casa, de forma violenta, esmurrando a porta, gritando. Arrancou o celular da minha mão – era uma coisa que fazia muito – e apagou a publicação. No dia seguinte, tive que chamar a videomaker para cortar o vídeo excluindo as cenas que ele julgava ruins.
MC Pelo seu relato, os sinais de violência estavam ali desde antes de se casarem. Por que quis se casar?
CC Eu queria que desse certo. [Chora] Ele tinha um lado bom. Quando estava bem, era formidável, uma excelente companhia. Eu já havia chegado até ali, queria ir até o fim. Achei que se nos casássemos ele me trataria melhor porque seria meu marido. Nunca consegui dar certo em relacionamento nenhum [chora]. Quando penso sobre tudo o que aconteceu, vejo que ele abusou da minha boa vontade, do meu desejo de fazer dar certo.
MC Em algum momento ele reconheceu a própria violência?
CC Ele se reconhecia como um homem temperamental, que precisava de remédios ansiolíticos para não explodir, mas nunca se reconheceu como um homem violento. Pelo contrário. Ele se vê como um príncipe, um santo.
MC Em janeiro, repercutiu uma fala sua dizendo que a mulher deveria se submeter ao homem dentro de casa. Esse posicionamento mudou?
CC Disse isso em um vídeo que dizia que a mulher deveria esperar o homem para jantar. Quis dar um recado de que elas deveriam tentar ter uma vida a dois mais próxima, fugir daquilo de cada um esquentar a própria comida no micro-ondas e comer na frente da TV. Analisando hoje, tratava-se muito mais de uma expressão minha daquilo que estava tentando fazer com a minha vida, de uma tentativa minha de ser essa esposa. Mas fui muito infeliz na minha fala, eu me equivoquei muito porque dei margem à interpretação de que a mulher deve aceitar agressões. Esse verbo, “submeter”, contradiz tudo que fiz durante toda a minha vida. Sei que sou espelho para milhões de mulheres e, mais do que nunca, o recado que tenho para passar a elas é: estude e trabalhe para que, caso o homem que vocês escolham venha a gritar, diminuir e chantagear vocês, vocês possam sair ilesas – tanto do ponto de vista físico quanto do emocional.
MC Depois que a situação veio à tona, recebeu apoio de coletivos e grupos feministas. Isso a surpreendeu?
CC Muito. Chorei quando li [o posicionamento da Coalizão Nacional de Mulheres], fiquei de fato muito emocionada. Estava esperando dois ataques: primeiro, da extrema direita, dos reacionários, que já vinham me atacando desde que anunciei o divórcio. Depois, da extrema esquerda, mas isso não ocorreu. Claro que algumas pessoas da esquerda disseram “bem feito”, inclusive um ator de esquerda, ex-global, disse que eu merecia apanhar. Mas, em geral, eu me senti muito acolhida. Grupos feministas entenderam meu lado e me apoiaram.
MC Você esperava apoio de pessoas da direita? Esperava que alguém de quem esteve próxima nesses anos, como Michelle Bolsonaro, se solidarizasse?
CC Não esperava nada da primeira-dama porque nunca tive intimidade com ela. Eu a vi duas vezes – no casamento, em Ribeirão Preto, e no evento em Balneário Camboriú. Mas me causa estranhamento o fato de o PL Mulher ter entrado em contato com o agressor e não com a agredida.
MC No processo, você narra que o deputado mencionava nomes importantes da política, aparentemente numa tentativa de te intimidar. Ricardo Salles e Michelle Bolsonaro foram dois desses nomes. Isso a intimidava?
CC Que eu saiba, não recebi nenhuma ameaça direta dessas pessoas. O que tem ocorrido é a tentativa de dilaceramento da minha imagem, colocando-me como louca, dizendo que uso a Lei Maria da Penha como quem usa uma roupa para ir à esquina [Chagas já precisou acionar a Lei de 2006 anteriormente, em outro relacionamento, mas preferiu não dar detalhes sobre o ocorrido]. O próprio Lucas me dizia: “Posso perder o meu sonho na política e de ser presidente do Brasil, mas você vai perder todo o seu sustento. Eu ainda tenho a minha construtora”. Mas não posso acusar ninguém nominalmente. Ele dizia com todas as letras que ia acionar o Ricardo Salles, por exemplo. Mas não sei se o Salles está ao lado dele neste momento, apoiando.
MC Quem é Cíntia Chagas sem Lucas Bove?
CC Não tive pai, de fato, como ele disse várias vezes. Tenho mãe, sou completamente apaixonada por ela, mas quem me criou foi minha avó. Sustento minha mãe e meu irmão há muitos anos. Era a menina que estudava no melhor colégio particular de Belo Horizonte, mas o dinheiro da minha família era todo contado para isso. Eu ia de ônibus. Não ganhei carro quando fiz 18 anos, não fui para a Disney, não tive aquelas festas lindíssimas de 15 anos. Sempre fui muito estudiosa, a primeira da turma. Trabalhei muito nos quatro anos de faculdade de Letras como professora. Dei aulas de língua portuguesa, de redação e de gramática para pré-vestibulandos por 16 anos. Mas, ainda que eu fosse essa pessoa muito forte para o trabalho, o ponto “relacionamento amoroso” na minha vida sempre foi difícil, exatamente pelo fato de eu sempre escolher homens mais duros, que tivessem um perfil mais protetor. Acho que confundi protetor com narcisista. Esse foi um grande erro meu. É interessante: meu sobrenome, o Chagas, é do meu pai. Eu o conheci aos 15 anos no fórum para pedir o reconhecimento da paternidade, que ele imediatamente me concedeu. Mas tanto ele quanto os homens que tive deixaram uma coisa na minha vida: chagas [chora].
MC O que espera para seu futuro?
CC Agora o que quero é paz. Abri mão do amor que tenho por ele – porque não posso falar que acabou completamente – pelo meu amor próprio. Todas as mulheres deveriam fazer isso.
Nota oficial de defesa do deputado estadual Lucas Bove
“Na qualidade de advogados e procuradores do Deputado Lucas Bove, informamos que fomos surpreendidos com a divulgação na mídia e redes sociais de matérias sobre o seu relacionamento com sua ex-esposa, de cunho sensacionalista e conteúdo ofensivo, em desrespeito ao sigilo que envolve o processo, numa atitude que visa única e exclusivamente tentar macular a honra e dignidade de nosso constituído, homem público, de caráter elogiável e da mais ilibada reputação.
A defesa constituída, por ora, em respeito às regras processuais e à Justiça, se limita a afirmar a mais absoluta inocência do Sr. Lucas Bove, que brevemente será devidamente comprovada nos autos, foro apropriado para tratar das aleivosias lhe assacadas, contra as quais tomará as oportunas medidas cabíveis para responsabilizar seus detratores pelos danos causados, em todas as esferas.
Fizemos um pedido de contracautela, para que sejam fixadas medidas cautelares contra a Cíntia Chagas. Juntamos diversos documentos que evidenciam que a narrativa dela não é verdadeira.”