07/12/2023
Entrevista: Jean Paul Prates diz que petróleo ainda será usado nos próximos 40 anos
Em Dubai, onde cumpriu agenda com o presidente Lula, o presidente da Petrobras Jean Paul Prates deu entrevista ao jornal Valor Econômico. O 'cabeça fértil' como foi chamado pelo presidente falou da relação com o ministro de Minas e Energia, da longevidade do petróleo e do investimento que a Petrobras poderá vir a fazer nas Arábias.
Eis a entrevista publicada na edição do Valor desta quinta-feira (7).
Petróleo ainda vai ser usado pelas próximas quatro décadas, afirma Prates
Chamado de ‘cabeça fértil’ por Lula, CEO quer investir em fertilizantes com os árabes
Por Fabio Murakawa — De Dubai
Em entrevista exclusiva ao Valor, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, tenta desfazer o mal-estar criado pela informação de que ele estudava abrir uma subsidiária da empresa no Oriente Médio, dada por ele durante a COP 28, a cúpula do clima em Dubai. Chamado de “cabeça fértil” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último domingo, em Dubai, Prates detalha como pretende fazer com os árabes uma parceira na área de fertilizantes. E diz que não mencionou o nome Petrobras Arábia ao petista, mas falou com ele em "investimentos cruzados" durante a escala da comitiva presidencial pela Arábia Saudita, antes de desembarcar nos Emirados Árabes.
Prates estima que o mundo continuará utilizando o petróleo ao menos pelas próximas quatro décadas - argumento com o qual defende os investimentos em novos poços. E diz que a transição energética na Petrobras também deve levar algum tempo. Segundo ele, a empresa atingirá o pico de sua produção petrolífera em 2030, antes de declinar. E calcula que, em 20 ou 25 anos, o portfólio de energia limpa da empresa deverá equivaler ao de petróleo.
Prates rebate críticas sobre contradições entre a agenda ambiental e a realização da COP 28 nos Emirados Árabes, uma rica nação petroleira. Ele rechaça a alegação de que o sultão Al Jaber, presidente da COP e CEO da estatal Adnoc, uma das maiores petrolíferas do mundo, esteja fazendo "greenwashing" - maquiagem para dar um ar "sustentável" ao setor cujo produto é o maior responsável pelo aquecimento do planeta.
O executivo afirma que o interesse dos árabes na COP tem, como pano de fundo, a certeza de que a era do petróleo está chegando ao fim, embora acredite que a commodity será usada no mundo por pelo menos mais quatro décadas.
O presidente da Petrobras nega sofrer pressões de Lula e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para reduzir preços. Admite, porém, receber questionamentos de ambos em cima de "expectativas", pois "todo mundo quer o preço do combustível" mais baixo. Mas alfineta Silveira.
"No Golfo, tem nitrogênio. No Brasil, tem potássio. Para ter fertilizante, precisa dos dois"
"Dizer que publicamente a Petrobras tem que baixar, não faz com que imediatamente ela baixe o preço. Porque existem procedimentos e ritos", diz.
Prates recebeu o Valor no pavilhão brasileiro da COP, no último domingo. A seguir os principais pontos da entrevista:
Valor: O que é a Petrobras Arábia? Essa informação deu um bafafá danado na COP...
Jean Paul Prates: Não existe Petrobras Arábia ainda e talvez nem venha a existir. Estamos analisando a situação dos fertilizantes, como fruto das conversas que nós tivemos, inclusive do próprio presidente com os dirigentes dos países do Golfo. Falei [com Lula] na expressão "investimento cruzado". Isso é ter uma participação na origem do produto, Arábia Saudita, Catar, aqui no Golfo, onde se originam boa parte das exportações para o Brasil de fertilizantes, e eles terem um investimento direto nas nossas plantas também.
Valor: Qual é a vantagem desse negócio para o Brasil?
Prates: Isso cria uma espécie de ambiente único, corporativo, para esses fertilizantes, permitindo eventualmente, que a gente tenha preços médios, preços que interessem aos dois lados, e a gente assim consiga garantir canais de fornecimento, aqui e lá [no Brasil], que deem segurança ao nosso produtor rural, o pessoal que normalmente está exposto a esses riscos.
Durante o Covid e em outras épocas, a gente viu que quando há crise, uma guerra da Ucrânia, por exemplo, eles ficaram na mão de importadores. A ideia de participar de um investimento cruzado na Arábia Saudita é cooperar com o seu concorrente, e tê-lo como aliado. Então, você traz ele para investir no Brasil, investe em algum percentual num ponto de origem do importado também, fica sabendo como é que ele forma preço, e aí para arrematar tem uma complementaridade de insumos.
Valor: Em que Brasil e os árabes se complementam?
Prates: Aqui no Golfo, você tem o nitrogênio. No Brasil, tem o potássio. Para fazer fertilizante, precisa dos dois. Brasil tem potássio, E ambos têm gás. Mas o nosso gás é bem mais caro que o deles. Se isso é um grupo só, todo mundo ganha junto. Então você consegue fazer um preço médio, um preço para abastecer o Brasil, muito mais estável e muito mais negociado com o mercado brasileiro.
Valor: Qual a visão do senhor com relação aos investimentos futuros da Petrobras em perfuração para petróleo, nesse contexto de que o planeta está querendo investir mais em energias renováveis?
Prates: Se você parar de produzir petróleo de um dia para o outro, mesmo se a Petrobras fizesse um exercício fictício totalmente, 48 horas sem produzir petróleo, haveria um completo caos no Brasil e até no mercado mundial.
Valor: Sim, mas uma coisa é parar totalmente de produzir petróleo, a outra é perfurar novos poços...
Prates: Se o mundo ainda vai precisar, e isso é comprovado, de reservas de petróleo ou de usar petróleo nos próximos 40 anos, 50 anos, essa substituição vai se dar dos usos mais absurdos para os mais prioritários. Você não vai cortar da petroquímica, você vai cortar primeiro o diesel que você usa no gerador. Mas isso vai acontecer gradualmente, ao longo de três ou quatro décadas. Daqui a 40 anos, o mundo vai estar consumindo petróleo. De quem será esse petróleo produzido é a questão que o mundo vai decidir. Eu preferiria que fosse do Brasil. É por isso que a gente acha que tem que haver reposição de reservas, ao menos nesses estertores da era do petróleo.
"Expectativas políticas não correspondem no âmbito de empresa como a Petrobras"
Valor: Quando acha que a produção da Petrobras atingirá o pico?
Prates: O pico Petrobras que a gente considera é em torno de 2030. Então, a partir dali, você começa a diminuir a produção [de petróleo. Só que essa diminuição não é abrupta, é uma queda gradual ao longo do tempo.
Valor: O que garante que os países ricos ou nações petroleiras vão topar diminuir a produção deles antes de países como o Brasil?
Prates: Esse é o grande debate aqui na COP. A gente está andando junto com isso e apoiando a iniciativa do Al Jaber. A iniciativa dele de Abu Dhabi, presidir e hospedar a COP 28 não teve absolutamente nenhuma intenção de cooptar o evento. É impossível cooptar uma conferência das Nações Unidas.
Valor: Essa é uma pergunta. Ele está fazendo 'greenwashing?
Prates: Não, absolutamente. Não é greenwashing. É ambição mesmo. São ambições das empresas de petróleo grandes, e isso deveria ser saudado pelo mundo. O fato de grandes empresas de petróleo quererem entrar no debate fortemente, pegar esse recurso e usar na descarbonização e na transição energética, é superemblemática, faz uma diferença gigantesca. Esse movimento das empresas de petróleo anunciado na COP 28 não é só simbólico, como é efetivo. Elas vão fazer a diferença.
Valor: Mas este é um país desse tamanhinho, que basicamente tudo que tem é por causa do petróleo. O que vai fazê-los desistirem disso?
Prates: O fato de que o petróleo vai acabar, o fato de que o mundo vai mudar.
Um dia, não vai ter mais cliente. A única coisa que vai sobrar é plástico, lycra, são as últimas coisas que vão demorar a substituir. Não por que são insubstituíveis, mas porque são menos economicamente viáveis de substituir. O primeiro que vai embora é diesel em termelétrica, diesel em gerador, óleo combustível para calefação.
Isso você vai substituindo. Depois, você vai tirando gasolina dos carros, porque vai eletrificando. Gasolina vai sobrar.
Valor: Em quanto tempo o senhor acha que a Petrobras vai passar a se chamar Verdobras?
Prates: Em quanto tempo vai ter mais limpa do que petróleo? Eu acho que em 20 ou 25 anos a gente vai conseguir equivaler os portfólios. Sinceramente, espero que seja antes. Mas o antes vai depender mais de uma conjuntura externa do que interna.
A receita de petróleo é importante para impulsionar esses novos investimentos, que normalmente nesse momento têm um retorno mais baixo do que o investimento, por exemplo, de um poço do Pré-Sal.
Então, é preciso fazer essas escolhas.
Valor: E em investimento?
Prates: Em termos de investimento, a gente pode antecipar isso. Eu diria que antes de dez anos.
Valor: O que o Brasil tem a ganhar entrando no Opep+?
Prates: O secretário-geral da Opep, Haithman Al-Ghais, esteve no Brasil e disse ao presidente Lula que quer transformar a Opep em uma organização já ligada agora na transição energética. Nós queremos dar maior estabilidade ao preço do petróleo, pois ele tende a ficar mais instável diante dessa entrada e saída de componentes, de países, de empresas. É um mercado que vai sofrer muita volatilidade. Queremos que o Brasil possa contribuir mais porque a gente vê no Brasil uma referência de países que é ao mesmo tempo exportador de petróleo, grande produtor e consumidor de petróleo também, derivados e tem a matriz mais limpa das grandes nações do mundo.
Valor: O senhor sofre pressão dentro do governo para manter os seus preços mais baixos?
Prates: Essa pergunta é um pouco difícil de responder, porque depende do conceito de pressão. Pressão das pessoas em geral, todo o presidente de empresa de petróleo vai sofrer para que o preço seja o mais baixo possível. Todo mundo quer o preço do combustível [mais baixo], que é um preço muito presente na vida das pessoas.
Esse é um preço que demanda, tem pressão nesse sentido. Agora, pressão no sentido de o presidente da República, por exemplo, chegar para mim diretamente e dizer: "baixa o preço, faça o preço tal", nunca existiu. A "pressão", entre aspas, que o presidente coloca, que às vezes o ministro de uma forma ou outra também coloca, é uma indicação ou é uma diretriz, ou é um processo de conversa onde diz:
"Olha, como é que está acontecendo? Será que dá para baixar? Lá fora baixou, aqui por que não baixou?" E aí você vai explicando como é que você trabalha a política de preço. Você, basicamente, vai levando na ponta dos dedos essa política sem perder dinheiro. Não há pressão, mas a expectativa do governo, essa é a palavra.
Valor: O senhor teve um desentendimento público com o ministro Silveira há algumas semanas, aí o presidente chamou para uma reunião. Teve um puxão de orelha?
Prates: Não, não houve desentendimento público. De novo, há uma expectativa, eu tento realmente explicar isso com a maior tranquilidade do mundo, porque eu não tenho o menor interesse em ficar batendo boca com ministro nenhum. E cumpro à risca as diretrizes do plano de governo do presidente Lula, que eu ajudei a fazer como coordenador do setor de petróleo e gás.
Ele sabe que eu estou fazendo isso. Só que existe um jeito de fazer isso. Existem regras, existem ritos, existem procedimentos. Então, dizer que a Petrobras tem que baixar, ou falar que a Petrobras tem que baixar publicamente, não faz com que imediatamente ela baixe o preço.
Valor: A relação do senhor com o Silveira está boa?
Prates: É uma relação normal. A gente tem uma relação de colega de ministério. Enfim, a gente tem uma relação de governo. O que eu tenho que gerir às vezes são expectativas. Expectativas políticas não correspondem no âmbito de uma empresa como a Petrobras, que tem ações no mercado, mas que tem também as suas atividades, as suas análises técnicas a fazer com o mesmo timing cronograma. Não sou um cara do contra.
Valor: A tragédia em Maceió afeta o interesse da Petrobras de adquirir a Braskem?
Prates: Primeiro, ninguém disse que a Petrobras tinha plano de adquirir necessariamente. Ela tem o direito de preferência. E pode, com isso, também influenciar que sócio poderia entrar.
Porque ela pode gostar do sócio ou não e pode exercer o direito de preferência até o limite que ela queira. Ela pode comprar mais 6%, mais 10%, mais tudo. Mas a gente não decidiu nada disso. Porque a gente está justamente usando a favor nosso a posição confortável de ser a última palavra.
A vendedora é a Novonor, sucessora da Odebrecht, do grupo. É ela que está vendendo a participação majoritária dela.
Valor: Mas o que aconteceu em Maceió afeta o apetite da Petrobras em fazer essa aquisição?
Prates: Por enquanto, não. Nada. Porque já está no processo. Não vou dizer que já está precificado, porque é um pouco insensível. Mas já está anotado esse processo.
Valor: E o que o senhor, como presidente da Petrobras, segundo maior acionista da Braskem, tem a dizer para a população de Maceió que teve que sair de casa?
Prates: Que a Petrobras tem a responsabilidade de ser sócia investidora dessa empresa. Está colaborando com os processos todos, inclusive mais do que até precisaria do ponto de vista legal, porque tem cedido técnicos, tem feito estudos, apoiado o processo da Braskem e que certamente usará a sua capacidade de decisão e influência na empresa para sanar esses problemas e indenizar as pessoas. Isso é uma coisa necessária.
Valor: O plano estratégico da Petrobras tem sido alvo de críticas por um volume de investimento relativamente pequeno em projetos de transição energética. Como é que o senhor responde a essas críticas?
Prates: Eu não respondo. O plano é assim. Foi decidido assim. Sabe por quê? Porque tem pessoas que criticam porque foi alta a indicação foi alta do percentual de renováveis. As pessoas que dizem que a Petrobras devia ficar só produzindo petróleo, que é isso que dá lucro pra gente, que isso é o bom negócio, que os outros projetos são piores em retorno. E tem outro time da outra banda que diz: "Ah, você investiu pouco". Mas tem sempre gente reclamando. Então, assim, esse é o adequado, é o que a gente conseguiu de consenso.
Valor: Qual é a sua expectativa em relação à decisão do STF sobre as leis das Estatais?
Prates: A Lei das Estatais, assim como todas as outras leis, vale para todos e a Petrobras sempre cumprirá a lei. A nova redação do Estatuto aprovada fixa que a política de indicações de administradores continuará seguindo os requisitos da Lei das Estatais, independentemente da conclusão da decisão do Supremo. O que o plenário do STF decidir, vamos cumprir.
Valor: A mudança no estatuto não aumenta o risco de a Petrobras passar a tomar decisões mais políticas do que técnicas?
Prates: A mudança não altera o cumprimento da lei por parte da Petrobras. Vamos sempre cumprir a lei. A Petrobras não atua com intervencionismo quanto à nomeação de seus dirigentes e administradores. Pelo contrário, estamos fortalecendo nossa governança.
Valor: O sr. teme alguma penalidade do Cade por ter rescindido o contrato para venda da refinaria Lubnor, no Ceará?
Prates: Não, porque não houve nenhuma quebra de contrato. A Petrobras cumpriu todas as obrigações dentro dos acordos que foram assinados. Mas a situação não se resolveu no prazo previsto, 25 de novembro, apesar de todos os esforços da Petrobras. As questões fundiárias que envolviam dois entes federativos não foram resolvidas. E não foi concluída a transferência dos terrenos para que a Petrobras pudesse vendê-los.
Valor: A venda da refinaria Ream, em Manaus, também pode ser desfeita?
Prates: Diferentemente da Lubnor, o processo de venda da Ream foi concluído após o cumprimento de todas as condições.
Valor: Uma eventual fusão entre a Eneva e a Vibra abre brecha para que a Petrobras volte a ter postos de combustíveis no Brasil?
Prates: Já deixamos muito claro que consideramos a saída da Petrobras do mercado de distribuição um erro comercial, uma decisão contrária à sustentabilidade e rentabilidade da companhia, nos afastando do consumidor, justo numa época de realinhamento de hábitos de consumo.
Dito isso, também temos falado que não descartamos, no futuro, avaliar oportunidades de parcerias no setor de downstream, tanto para mercados atuais como para outros em formação. Vamos avaliar cada caso, conforme se apresentem oportunidades, tomando as melhores decisões para o fortalecimento da companhia.