09/04/2021
Reforma no governo americano que passará a taxar grandes empresas de internet poderá ocorrer no Brasil caso projeto do deputado João Maia seja aprovado
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Protegidas pelo governo do ex-presidente Donald Trump, grandes empresas de internet, as “big techs”, operando em ‘paraísos fiscais’ mas atuando nos Estados Unidos, eram poupadas de impostos. Porém, a reforma imposta pelo presidente Joe Biden passará a taxar empresas como a Apple, Facebook e Amazon.
A reforma que está em curso pelo governo americano é a mesma que pode acontecer no Brasil caso seja aprovado o projeto de lei que cria a CIDE-Digital, do deputado federal da bancada do Rio Grande do Norte, João Maia (PL) em tramitação na Câmara. Com a aprovação, o Brasil arreecadará o que as ‘big techs’ vem deixando de pagar ao governo brasileiro.
Confira o que está acontecendo nos Estados Unidos na reportagem do Valor Econômico:

O presidente dos EUA, Joe Biden, ofereceu um grande barganha
aos parceiros para alcançar um novo acordo global de taxação
das multinacionais, e com isso obter receita para pagar seu ambicioso projeto de infraestrutura, de US$ 2,3 trilhões.
O governo americano propõe um novo modelo de repartição do lucro das múltis, de forma que as “big techs” como Apple, Amazon, Facebook, não poderão escapar de pagar tributo nos mercados onde realizam seus negócios mesmo sem ter uma presença física local.

Fazendo isso, os EUA esperam convencer sobretudo os europeus a aceitar um imposto de renda mínimo global para empresas. Para Washington, essa é uma espécie de segurança para limitar a guerra fiscal entre os países e não afetar empresas americanas que serão submetidas a taxação interna maior pelos planos de Biden.
“A posição americana é agora radicalmente diferente e ambiciosa”, afirmou um participante das negociações que ocorrem na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), depois que a proposta americana circulou entre os países.
O governo Biden está bastante focado na criação da taxação mínima global para as múltis. Mas sabe que todo mundo quer taxar Google e outros gigantes tecnológicos, por exemplo. Até recentemente, os EUA rejeitavam isso, reclamando de discriminação contra as suas empresas.
Com a mudança de postura, Washington propõe não a criação de nova receita, mas uma nova repartição dos lucros entre os países onde essas companhias implantaram suas sedes e aqueles onde elas têm seus mercados e obtêm o faturamento e lucro.
A nova fórmula se aplicaria apenas sobre as 100 maiores companhias, que são também as mais lucrativas. Alcança desde as maiores firmas tecnológicas americanas, como outros gigantes multinacionais.
Em comparação, alguns países têm defendido na negociação que essa regra deveria atingir mais de 2.000 múltis.
“A negociação deve ser vista como um todo, com os dois pilares, o primeiro com a repartição do lucro e o segundo com a taxa mínima”, nota um negociador.
A OCDE calcula que a mudança de regras no “pilar 1” - compartilhar “a torta”, como é chamado o lucro de grandes múltis pelos negociadores - poderia levar à redistribuição de cerca de US$ 100 bilhões de impostos existentes anualmente.
No “pilar 2” (imposto mínimo global), se for fixado em 12,5%, poderia arrecadar US$ 100 bilhões de novos impostos anuais. Com uma alíquota maior, como querem os EUA, a arrecadação será maior.
A negociação na OCDE, que reúne quase 140 países, visa dar estabilidade ao sistema tributário internacional e frear a proliferação de brechas legais utilizadas por multinacionais para transferir lucros para jurisdições onde a taxação é baixa ou inexistente.
O governo Biden constata que, das 10 principais jurisdições para o lucro de múltis americanas em 2018, sete eram paraísos fiscais.
Bermuda, com só 64 mil habitantes, registrou 10% de todo o lucro no exterior declarado por companhias americanas.
Apesar de a negociação na OCDE usar uma alíquota de 12,5% para o imposto de renda mínimo, para análise de impacto econômico, nenhum nível foi fixado até agora, pois não estava certo se os EUA realmente aceitariam o mecanismo ou não.
O governo de Donald Trump tentou corrigir ligeiramente a erosão fiscal, aplicando taxa de 10,5% sobre o lucro offshore atribuído a intangíveis e propriedade intelectual das múltis.
Mas não será fácil obter um consenso dentro da Europa sobre o pilar de taxação global mínima para as múltis.
Os EUA defendem uma taxa mínima de 21%. Mas a Hungria tem tributação de 9%. A Irlanda, de 12,5%, mas por um bom tempo era muito menor na prática. A Irlanda fez do imposto baixo o centro de sua política econômica por décadas. É sede europeia de um grande número de multinacionais americanas, que transferem para lá parte dos lucros na região.
Uma montagem permitia às empresas pagar no máximo 1% sobre os lucros. As transações na Europa eram registradas na Irlanda, mas o dinheiro era rapidamente transferido para paraísos fiscais ainda mais generosos. Esse esquema oficialmente acabou.
Com um novo acordo global, os EUA e os outros países vão jogar pesado com as múltis que mantêm boa parte dos lucros offshore.
Se o acordo global estabelecer taxação mínima de 15%, por exemplo, o fisco dos EUA poderá indagar à Apple Bermuda quanto pagou nesse país. Se pagou 2%, o fisco americano cobrará então a diferença para chegar aos 15% da taxa mínima global.
Bermuda ou qualquer outro país não será obrigado a mudar a taxação nacional. Se Apple Bermuda tiver atividade totalmente local, e o governo não quiser cobrar imposto, não tem problema. Mas não poderá ser local para esconder os lucros de múltis.
Assim, os perdedores de um futuro acordo serão países e jurisdições que atualmente atraem múltis com ofertas de baixa ou nenhuma tributação, como paraísos fiscais no Caribe, Cingapura, Suíça, Irlanda, Luxemburgo.
Vários detalhes continuam em negociação. Por exemplo, se a Alibaba chinesa vendeu um produto em Ruanda, terá de pagar imposto em Ruanda.
Mas como isso vai funcionar? A empresa chinesa precisará ter uma pessoa jurídica estabelecida em Ruanda? Ou enviará o dinheiro a partir da China? Nesse caso, quem vai controlar isso? A resposta para isso virá com a barganha proposta pelos EUA. Haverá uma fórmula negociada entre os países, dividindo a taxação do lucro de múltis.
De acordo com o governo Biden, a taxação média sobre as empresas nos países da OCDE era de 32,2% em 2000 e estava em 23,3% em 2020.
Quando os países competem entre si para atrair atividades e lucros por meio da redução de tributos, o resultado é que é difícil obter receita suficiente para suportar os gastos públicos necessários, nota o governo democrata.
A situação financeira dos governos piorou com a pandemia de covid-19. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que as medidas fiscais adotadas pelos países do G-20 desde o surgimento do novo coronavírus alcançaram US$ 12,7 trilhões, sem contar o plano de investimento de US$ 2,2 trilhões anunciados por Biden nos EUA. Será preciso financiar tudo isso.
Com os orçamentos públicos limitados, a Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês) vê “risco claro de que os governos adotem medidas fiscais unilaterais que provavelmente esfriarão os próprios investimentos e empreendimentos transfronteiriços necessários para conduzir uma recuperação pós-pandemia”.
Nesse cenário, os ministros de Finanças do G-20, que reúne as maiores economias do mundo, concordaram nesta semana em tentar concluir até julho o acordo para modernizar o sistema tributário global.
Mas a meta é considerada muito ambiciosa por vários negociadores. O Congresso dos EUA também precisa votar o projeto de infraestrutura. E a parte de tributação é considerada “mega complicada” e vai tomar tempo. Continuará difícil negociar com os parceiros mundiais ao mesmo tempo.
Algumas fontes já mencionam outubro como o mês com mais chances para que seja concluído o acordo global.