24/03/2018
Capa: Em 10 páginas a revista Época conta a história do presidenciável Flávio Rocha (leia aqui)
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Presidenciável, o empresário potiguar Flávio Rocha é capa da revista Época que está nas bancas
Segue a reportagem completa, que contando com a capa soma exatas 10 páginas.
O jato executivo Legacy 650 seguia em velocidade de cruzeiro na rota entre Rio de Janeiro e São Paulo. Era um dia ensolarado do começo de março, com céu de nuvens esparsas, quando o avião entrou em zona de turbulência. Em meio à instabilidade, o empresário pernambucano Flávio Gurgel Rocha — dono das lojas Riachuelo, ex-deputado federal, ex-candidato à Presidência em 1994 e o nome favorito do Movimento Brasil Livre para ocupar o Planalto — consultou as horas em seu Patek Philippe Nautilus. Eram 14h30, a turbulência durava segundos, mas parecia perdurar pela eternidade.
A seu lado, o apresentador e publicitário Roberto Justus tentava se concentrar no jornal, como se ignorasse a ansiedade do companheiro de viagem. Em outra poltrona, Edgard Corona, dono da rede de academias Bio Ritmo, comentava a respeito dos possíveis efeitos para o Brasil da elevação da taxa de importação sobre aço e alumínio pelo governo dos Estados Unidos. A continuidade da trepidação obrigou os três a conjecturar, em tom descontraído, quais seriam as manchetes do dia seguinte caso o avião caísse. Depois, com os corpos ainda sacolejando, passaram a falar de Deus.
Justus declarou-se ateu. Flávio Rocha ajeitou os óculos Porsche, tirou os olhos de seu iPhone e repreendeu o amigo: “Não diga isso enquanto voamos. Deixe para depois que o avião pousar”. O outro se desculpou: “Estou brincando. O avião está mexendo muito”.
O publicitário justificou o materialismo por alinhar-se com a teoria científica mais aceita para a origem do Universo. O bigue-bangue atesta que uma grande explosão deu origem aos planetas, estrelas e galáxias e forjou as condições para a existência de vida na Terra. Rocha, que é evangélico, sustenta que o poder de Deus se manifestou na criação a partir do nada. A conversa seguiu sobre como as civilizações egípcia, judaica e africana se relacionavam com a metafísica. Surgiu a questão de como a África pode ser um continente tão pobre e desassistido, se Deus é bom, todo-poderoso e misericordioso. “Eles rezam para os deuses errados”, opinou Rocha. A turbulência cessou.
Não faz muito tempo, Flávio Rocha começou a viajar pelo país numa caravana improvisada. A pequenas multidões de norte a sul do país, ele discursa ao microfone, tira fotos e prega a valorização da família, dos bons costumes, o combate ao politicamente correto (que ele entende como o patrulhamento da esquerda em temas como machismo, por exemplo), o liberalismo, o empreendedorismo, a livre-iniciativa, a desregulação e o Estado menos intrusivo. O combo ficou conhecido como neoliberalismo regressivo, quando se é superliberal na economia, mas ultraconservador nos costumes. Temas que amealham adeptos da nova direita, como os jovens do Movimento Brasil Livre.
“Tenho orgulho de afirmar: Flávio Rocha, único presidenciável que conjuga o combate ao politicamente correto com responsabilidade fiscal e propostas sérias para a segurança pública, é o candidato do Movimento Brasil Livre à Presidência da República”, escreveu Kim Kataguiri, um dos líderes do mbl, em artigo no jornalFolha de S.Paulo nesta semana. “Para se tornar viável, ele precisa aparecer nas pesquisas. Começando a aparecer, os partidos começam a se interessar. E aí ele entra no debate presidenciável mesmo”, disse Kataguiri a ÉPOCA.
O MBL é um grupo que, entre outras bandeiras, diz que o imposto é um roubo, que os cidadãos têm direito a andar armados, que o nu na arte é imoral e que apoiou a mentira de que a vereadora Marielle Franco (psol-rj), assassinada há mais de uma semana, era ligada ao tráfico de drogas.
“São os valores morais que despertam paixões. Ninguém fica se matando para discutir a taxa de juros. A população em si não tem discussões apaixonadas sobre isso. Agora, sobre aborto, feminismo e cotas, as pessoas têm uma opinião. É algo que mobiliza bastante e faz com que a divergência política aflore”, afirmou Kataguiri a ÉPOCA.
Órfão de liderança desde o rompimento com o prefeito de São Paulo, o tucano João Doria, o mbl quer ver o dono das Lojas Riachuelo no Palácio do Planalto. “A manifestação pública do mbl, sem sombra de dúvida, me coloca próximo de assumir uma candidatura”, disse-me Rocha no mesmo dia. “Seria um egoísmo muito grande não levar isso em consideração.”
No universo da direita em ascensão, Flávio Rocha está para o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) — que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência em cenários sem Lula como candidato — assim como a camiseta polo da Riachuelo está para a camiseta polo da Renner. Há uma diferença aqui (grau de liberalismo), outra ali (fervor religioso), outra acolá: Rocha não defende torturadores nem ofende mulheres. Mas ambos querem leis mais duras contra o crime, combatem a esquerda e temem que o mundo se torne um antro de pouca-vergonha.
Aos 60 anos, Flávio Rocha parece mais jovem. É baixo, troncudo, tem o forte sotaque do natalense (ele se estabeleceu em Natal ainda na juventude), conversa mirando o interlocutor na linha do nariz. Tem o cabelo grisalho, que mantém mais escuro com a técnica do “reflexo invertido”, quando se pintam de negro apenas alguns fios, dando-lhes uma aparência natural. Tem mania de tocar o próprio corpo várias vezes como se procurasse algo em bolsos invisíveis e é fã de camisas apertadas. É casado com a gaúcha Anna Cláudia Klein Rocha, de 47 anos, com quem tem três filhos: Flávio, de 26 anos, Fernando, de 25, e Fabrício, de 22. O mais velho, Felipe, que tem 31, é fruto de um relacionamento anterior com Alda Ramalho Pereira, filha do ex-governador do Rio Grande do Norte Radir Pereira.
Ele e Anna Cláudia se conheceram em 1989, em Brasília, num desfile da grife Zoomp. Casaram-se um ano e meio depois. Ela era modelo e amiga de uma ex-namorada dele, então um deputado federal neófito. Rocha entrou para a política em 1986, quando foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Norte. Reeleito em 1990, ensaiou candidatura à Presidência da República pelo Partido Liberal quatro anos depois. Depois de virem a público irregularidades no recebimento de “bônus eleitorais”, uma forma heterodoxa de doações vigente na ocasião, renunciou à candidatura. Apoiou então a campanha vitoriosa de Fernando Henrique Cardoso a presidente.
A família morou nos Estados Unidos, onde ele fez duas pós-graduações em Harvard — uma em gestão e outra em estratégia de negócios para o varejo. De volta ao Brasil, estabeleceu-se em São Paulo, no mesmo prédio onde morava o pai, Nevaldo Rocha, fundador do Grupo Guararapes — que inclui, além da Riachuelo, a financeira Midway, o Midway Shopping Center e a Transportadora Casa Verde. A fortuna da família foi estimada em us$ 1,3 bilhão em 2017, a 39a no ranking nacional da revista Forbes.
Há quase duas décadas, Rocha mora na mesma casa no bairro do Jardim América, em São Paulo. Em geral, acorda às 6h30 e lê um trecho bíblico em companhia da mulher. Foi por meio dela que ele, nascido em família católica, mergulhou na religião. Desde 2003, o casal frequenta a igreja neopentecostal Sara Nossa Terra — que tem entre os fiéis a cantora Baby do Brasil, a ex-modelo Monique Evans e o ex-deputado Eduardo Cunha.
Depois do café da manhã (que inclui um copo de whey protein), ele malha por cerca de uma hora na academia de casa com uma personal trainer, apelidada de Carol Pump. Gosta de vinho, mas não bebe durante a Quaresma. Não fuma e costuma seguir a dieta do ponto z, baseada no consumo de proteínas. Frequenta cinco vezes por semana o escritório da Riachuelo. O último livro que leu foi O velho e o menino, do educador Roberto Tranjan. Uma de suas principais características é ficar grudado no celular trocando mensagens no WhatsApp. Ele monitora tudo o que é postado a seu respeito nas redes sociais. “Apesar da crença, o Flávio tem uma cabeça muito aberta, não é um fundamentalista”, disse o deputado Fábio Faria (psd-rn), seu amigo. “Além de ser um gentleman.”
Sem o nome incluído em pesquisas eleitorais e ainda sem filiação partidária, Flávio Rocha viaja o país para divulgar o Brasil 200, movimento que congrega empresários e profissionais liberais na defesa de menos Estado e menos regulamentação, sem disfarçar o tom de candidato. Entre eles, Roberto Justus e Edgard Corona, que o acompanhavam na viagem de avião.
Rocha recusa o rótulo de “movimento de empresários” — prefere chamá-lo de “uma articulação de quem resolveu tomar lado no Brasil”. Acredita que o que decidirá as eleições presidenciais de outubro serão os temas ligados aos costumes, e não o “economês”. “O discurso econômico não encanta os corações dos brasileiros”, falou. “Existe uma angústia de uma grande parcela da população, que é conservadora e que quer que seus valores sejam defendidos.” É nessa frente que Rocha milita. Levanta bandeiras tradicionalmente simpáticas à direita, como a defesa da família, a redução da maioridade penal, o combate à chamada ideologia de gênero e ao aborto.
Há 25 anos, ele defende a adoção do imposto único, ideia que aglutinou 20 mil apoiadores e financiadores ao longo do tempo, calcula. É um dos principais porta-vozes do setor varejista brasileiro, dono do maior conglomerado de moda do Brasil e um dos 15 maiores empregadores do país, com 40 mil funcionários diretos, sendo 25 mil só na Riachuelo. Foi ele quem implantou na empresa o conceito de fast fashion. É o lançamento constante e rápido de novos modelos de roupas populares a partir de parcerias com estilistas e grifes, como Versace, Karl Lagerfeld e Osklen.
ÉPOCA acompanhou Rocha por cinco estados, durante três semanas, e entrevistou 30 personagens envolvidos na tentativa de construção de alternativa de direita para a eleição presidencial de 2018.
A jornada começou em Belo Horizonte, no começo de março, sem a pontualidade que os empresários costumam exigir. O encontro na sede da Federação das Indústrias, marcado para as 17h30, começou com uma hora e 20 minutos de atraso e mais da metade do auditório vazio. A caravana direitista foi recebida por apenas 50 pessoas, sendo que duas delas dormiam nas poltronas quando Flávio Rocha começou a falar. Pediu desculpas pelo atraso em terra em que a pontualidade é virtude. Não empolgou em sua explanação e encerrou sua fala após responder a poucas perguntas da plateia — uma delas durou quase cinco minutos.
De volta ao jatinho, ele se valeu dos 50 minutos do voo entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro para se recuperar. Tinha novo compromisso na churrascaria Fogo de Chão, à beira da Baía de Guanabara, em Botafogo. Chegou às 22h30, uma hora e meia atrasado, para jantar com 25 integrantes da Entrepreneur’s Organization (EO). Os empresários já estavam no cafezinho.
Ali, os empresários ouviram Rocha com a atenção dispersa. Alguns monitoravam as fotos do Instagram no celular enquanto ouviam. O ponto alto da noite foi a fala do coordenador do mbl, Renan Santos, de 34 anos, que integra a caravana. Ele é também curador de conteúdo e media training do empresário. “Brigo com ele para que se torne candidato”, disse. A relação dos dois é tão próxima que Santos dá palpite até nas mensagens do Twitter que Rocha escreve. Naquele dia, ele pediu que o aliado aprovasse sua postagem antes de lançá-la à rede: “Quem mata no Brasil sabe que em mais de 90% das vezes nem sequer será descoberto. No resto do mundo, o crime perfeito é impossível. No Brasil, ele virou rotina”. Santos aconselhou: “Você tem de tuitar mais, mais e mais. O Trump se construiu no Twitter”.
As sugestões de conteúdo e o poder do MBL nas redes sociais são essenciais, na visão de Rocha, para que amplie suas chances na corrida presidencial. Ele chegou ao movimento por meio de seu articulador político, o sobrinho Gabriel Rocha. Filiado ao Partido Novo, Gabriel, de 27 anos, abandonou o emprego como gerente de Produtos da Riachuelo para se dedicar exclusivamente ao Brasil 200. Ele se aproximou do mbl por meio de canal mantido por um de seus integrantes no YouTube. Trocaram mensagens e se afinaram. Gabriel então se tornou a ponte entre o mbl e o tio.
Na tentativa de eleger forte bancada no Legislativo, o mbl quer usar Flávio Rocha para reaglutinar as forças conservadoras que impulsionaram o impeachment de Dilma Rousseff, como o setor empresarial, o agronegócio e grupos religiosos. “Os evangélicos são 30% da população e devem ser os bastiões dos valores da sociedade. Com todos unidos, a esquerda não vai ter espaço no Brasil. Voltaremos a ser um país sério”, disse Renan Santos na apresentação de Rocha aos empresários presentes na Fogo de Chão. A citação aos evangélicos estava direcionada ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, liderança religiosa reconhecida. Marcelo Crivella Filho representava o pai no encontro. “O número de evangélicos no país pode, sim, fazer uma cadeira de presidente”, endossou. Crivella Filho se definiu como apoiador de Flávio Rocha, mas diz que os líderes evangélicos precisam conhecer melhor o empresário. “Ainda não deu tempo. É muito recente.”
Ao final do evento, parte dos empresários cariocas elogiou as convicções do parceiro, alinhadas às suas, mas alguns reclamaram da ausência de “punch” no discurso. Queriam que fosse mais incisivo na defesa de seus pontos de vista. “Ficou um pouco abstrato e amplo”, disse o presidente da eo no Rio, Roberto Kaplan. “Quem brilhou foi o menino do mbl”, resumiu outro participante.
Dias depois, Flávio Rocha amanheceu no Rio para o lançamento do plano de segurança que defende. A cerimônia foi realizada no Teatro Riachuelo, um espaço amplo e tradicional que seu grupo comprou e reformou no centro da cidade.
Sistematizado por especialistas de direita como o engenheiro Roberto Motta e Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça do Rio, o plano de Rocha para a segurança tem como eixo o endurecimento de penas para todos os crimes. A tese central é que as causas do crime não são a pobreza ou a desigualdade, mas “as escolhas dos indivíduos”. Entre outras bandeiras de Rocha estão a redução da maioridade penal, a flexibilização da legislação para a compra de armas e o fim de indultos e de auxílio-reclusão.
O lançamento festivo foi ao som da música “Tropa de elite”, da banda Tihuana, e contou com o anúncio da distribuição de 500 mil adesivos com a mensagem “Eu apoio as nossas tropas”, além de 500 mil cartilhas que orientam a população fluminense sobre como apoiar a intervenção militar na segurança do estado. Grupo anti-intervencionista por convicção, contraditoriamente o Brasil 200 é a favor do uso das Forças Armadas para conter a violência.
Em entrevista à rádio CBN, instado a comentar a intervenção federal, Rocha associou a “degradação da segurança pública” a uma consequência de anos de “governos de esquerda” que, em sua visão, estabeleceram uma “parceria entre Estado e crime organizado” para amordaçar a polícia e armar os bandidos no Rio de Janeiro. Dias depois, ao comentar a morte da vereadora do psol Marielle Franco, Rocha atribuiu a tragédia à decisão individual de um monstro de puxar o gatilho, e não “ao machismo ou ao racismo”. “A crença de que bandido é vítima da sociedade nos levou a essa barbárie. Se a culpa é de todos, não é de ninguém”, disse.
Rocha faz uma interpretação muito própria da obra do filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937) para praguejar contra o esquerdismo. “A velha luta de classes está obsoleta. Hoje se acredita que é preciso bagunçar para governar”, disse, repetindo um de seus mantras em segurança pública. Citou como exemplo de incentivo à criminalidade a edição do “Estatuto da Criança e do Adolescente, na era do pt” e o Estatuto do Desarmamento. O Estatuto da Criança e do Adolescente foi editado em 1990, no governo José Sarney, 13 anos antes do primeiro governo Lula, iniciado em 2003.
Num domingo recente, por volta das 11 da manhã, Rocha chegou à sede da Sara Nossa Terra, na Rua Augusta, em São Paulo. O local estava lotado de mulheres bem vestidas e homens bem penteados. Ele usava camiseta polo preta, da Riachuelo, e um jeans também escuro. Nos pés, tênis multicoloridos da grife italiana Dolce&Gabbana. Anna Cláudia já estava lá. Sentou-se em um dos bancos no meio do salão. Dali em diante, oraram de olhos fechados, cantaram hinos evangélicos, tiraram fotos, deram-se as mãos, ajoelharam-se e agradeceram ao Senhor. Em um momento, o bispo Cristiano perguntou, com entusiasmo: “Quem tem sonhos? Quem fez planos para 2018?”. Anna Cláudia levantou a mão, adornada no pulso por uma corrente dourada em que se lia “Deus”.
Mais introspectivo que a mulher, Rocha só se juntava ao coro de “aleluia” ou “amém” em voz alta quando todos os fiéis o faziam. Em um momento, ela me segurou pela mão e me levou para o palco para ser abençoado, já que era minha primeira vez no culto. Havia várias faixas onde se lia “Jesus te ama” e “Bem-vindo à família de Deus”. Todos aplaudiam. Na hora do dízimo, ele incumbiu Anna Cláudia de passar o cartão de crédito — a maquininha foi colocada a sua frente. Ela digitou o valor de r$ 1 mil e a senha da conta. Com uma fortuna pessoal calculada em vários milhões de reais, Rocha explicou o valor pago à igreja: “Não é algo calculado. Costumo dar quantias maiores quando recebo os dividendos da empresa”, disse.
Segundo Anna Cláudia, que também usava uma camiseta da grife italiana, além do apreço por moda, o casal também tem em comum a fé, “o alimento do espírito”, em suas palavras. Ao final da cerimônia, ela se disse (e parecia) de fato “revigorada”.
Questionado sobre como se deu sua conversão, Rocha afirmou ter sido um processo gradual, em que não houve epifania ou um momento mágico. Tendo a religião como norte, Rocha se prepara para enfrentar temas polêmicos na campanha eleitoral. Quando questionado sobre homofobia, por exemplo, ele se vale de um dado: a Riachuelo emprega 500 transexuais, “a maior empregadora do Brasil”, e permite o uso do nome social em todos os formulários e credenciais. Não explica, no entanto, por que transexuais ainda não foram representadas em campanhas publicitárias da empresa. “Não descartamos no futuro”, disse. Recentemente, ele foi atacado por integrantes da comunidade lgbt (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e Transexuais) depois que começou a enfatizar publicamente suas posições conservadoras, o que motivou uma leva de funcionários da própria Riachuelo a defender o patrão. “Estou longe de ser um moralista, um careta”, descreveu-se. “Amaria um filho gay da mesma forma que meus filhos héteros.”
Rocha disse ter amigos gays, como Guilherme Siqueira e seu companheiro, Domenico Dolce, um dos estilistas da Dolce&Gabbana. Sobre o casamento homoafetivo, ele afirmou que defende a lei como está em vigor. “Hoje, o Estado legitima, o que está corretíssimo, o contrato entre duas pessoas do mesmo sexo ou não. Pessoas que resolvem fazer um contrato para coabitar, regular uma relação. Isso aí está de bom tamanho. Sou defensor da família em todas as suas configurações.”
Dentro do que chama ideologia de gênero, critica a “erotização precoce de crianças” sobretudo em escolas e centros culturais, como, segundo ele, a promovida pela exposição QueerMuseu, no Santander Cultural, em Porto Alegre, no ano passado. Também é contrário ao aborto, pois crê que “só Deus pode matar”. “Vida é vida. Não há diferença entre matar um bebê de 1 mês e matar um feto de 9 meses”, disse.
Seria flexível, me contou, caso tivesse uma filha violentada e que houvesse engravidado. Afirmou que, nesse caso, respeitaria a escolha dela. Também é a favor da criminalização das drogas e contrário às cotas raciais, as quais define como racistas por si próprias.
Uma semana depois de a caravana ter ido ao Rio, Flávio Rocha voava para Não-Me-Toque, cidade do norte gaúcho. Conduzido pelo deputado ruralista Jerônimo Goergen (pp-rs), ele participou de uma feira agroindustrial e concedeu entrevistas a emissoras de rádio e tv regionais. Seu compromisso mais importante foi almoçar com a senadora Ana Amélia Lemos (pp-rs). Ela era cortejada pelo mbl para ser vice de Flávio Rocha, por ser “mulher, gaúcha e de direita”. Ana Amélia recusou-se a sequer comentar o tema: “Sei onde piso”, resumiu.
De lá, o grupo seguiu para Natal, no Rio Grande do Norte. A agenda do dia seguinte era no sertão nordestino.
O primeiro compromisso da manhã foi em um distrito próximo a Parelhas, a 250 quilômetros da capital potiguar. De helicóptero, acompanhado pelo deputado Rogério Marinho (psdb-rn), Rocha pousou perto de uma confecção. Ali, cumprimentou trabalhadores, atendeu a pedidos de selfies e parou para discursar. Disse que criou o movimento Brasil 200 após frustração com a burocracia nacional. Afirmou que, em 2009, em uma viagem à Galícia, na Espanha, teve a inspiração de criar o Pró-Sertão, projeto que previa a inauguração de 300 fábricas para desenvolver a economia nordestina. “Vi ali o motivo para Deus ter me colocado nesta passagem terrena.”
Em seguida, o empresário se dirigiu ao evento principal do dia, na Associação de Caminhoneiros de Parelhas. Lá, foi recebido aos gritos de “Brasil pra frente, Flávio Rocha presidente” e “Ou vai ou Rocha”. De fundo, a dupla sertaneja Mateus e Cristiano interpretava ao vivo o jingle que produziu para o movimento, chamado “Que seja feita a vontade do povo”.
Para cerca de 4 mil pessoas, Rocha contou que enxergava na Galícia afinidades socioeconômicas com o Nordeste brasileiro, pois é mais pobre que o restante do país e tem vocação têxtil. O dono da Riachuelo disse que foram abertas dezenas de fábricas. “Depois da inauguração da 60a fábrica, no entanto, veio um comboio de 20 viaturas com sirenes ligadas, guardas de metralhadora, fiscais do Ministério Público do Trabalho fazendo uma operação pirotécnica, interrompendo as ruas, com costureiras chorando. Parecia que estavam prendendo o Pablo Escobar”, recordou-se Rocha.
O Ministério Público do Trabalho realizou inspeções em mais de 50 fábricas, em 12 municípios. Concluiu, no segundo semestre do ano passado, que os “empregados recebem menor remuneração e têm menos direitos trabalhistas do que os empregados contratados diretamente pelo grupo Guararapes”, da família Rocha. Os procuradores entraram com ação trabalhista cobrando r$ 37 milhões das empresas. Rocha reagiu com carta dirigida à procuradora Ileana Neiva, chamando-a de “louca”, “perseguidora” e “exterminadora de empregos”. Responde a processo agora sob acusação de calúnia e injúria.
Ele disse não se arrepender. Chamou o Estado de “máquina de não fazer” e qualificou a burocracia estatal como “tóxica”. Repete, com frequência, a palavra “carruagem” para se referir à máquina pública, pesada e disfuncional na relação com o empreendedor. Em sua alegoria, a carruagem é puxada por 98% da população, os que “suam a camisa” para sustentar os privilégios dos outros 2% — políticos, funcionários públicos e outros sanguessugas — que estão sentados na cabine. Rocha compara as leis do mercado às leis divinas — estão acima de todas as leis.
Rocha já tem um discurso contra seus potenciais adversários na sucessão. O tucano Geraldo Alckmin é apontado como um “conservador por natureza”, mas sem coragem de se assumir como tal. “Ele também não consegue tomar as posições que o povo está demandando”, disse, abusando do jargão econômico. Reconhece a veia liberal de João Doria, mas disse que o tucano pisou em todas as cascas de banana do politicamente correto. Elogia Jair Bolsonaro na defesa dos bons costumes, mas condena a postura estatizante na economia. “Não se faz um liberal do dia para a noite.” Kataguiri, do mbl, reforça o que diferencia Rocha do parlamentar do PSC: “O Bolsonaro defende mais senso comum do que valores conservadores. Ele não conhece, não fundamenta o que defende”.
Uma opção com um perfil semelhante ao seu próprio seria João Amoêdo, do Partido Novo, um empresário alinhado com os preceitos do livre mercado. Mas, para Rocha, Amoêdo não tem disposição para “sujar o sapatinho no terreno pantanoso dos costumes”. A crítica se repete ao falar sobre o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Das candidaturas à esquerda de Lula (PT) ou Ciro Gomes (PDT), Rocha acredita que eles simplesmente defendem as ideias erradas.
Flávio Rocha banca por si os recursos necessários à caravana direitista abrigada no movimento Brasil 200. Já foi procurado por empresários interessados em fazer doações, estimulando o projeto de uma bancada forte em defesa da livre-iniciativa.
Ideologicamente, ele diz se inspirar nas ideias do diplomata, economista e político Roberto Campos, morto em 2001, e Marcos Cintra, defensor do imposto único. Acompanha a produção do filósofo Olavo de Carvalho, define o jornalista Rodrigo Constantino como “genial” e se preocupa com a impressão que o jornalista Reinaldo Azevedo tem dele. Outro aliado é Alexandre Borges, colunista do jornal paranaenseGazeta do Povo, revisor dos artigos que o empresário publica na imprensa.
Em um começo de tarde de março, Rocha almoçava risoto de camarão em sua casa decorada com peças de artistas plásticos como Ai Weiwei, Adriana Varejão e Julio Le Parc. Sem largar o celular, ele puxou o assunto à mesa. “Você viu o vídeo da deputada do pt fazendo palestras para professores, dizendo que o road map para chegar ao objetivo final da sociedade é o incesto?”, perguntou-me. Referia-se a uma palestra dada por Erika Kokay (PT-DF), em maio de 2016, no Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná. “O incesto é o último tabu. Ela mostra que a forma mais eficiente para destruir a propriedade é destruir a família. Conta, passo a passo, como chegar à sociedade do incesto, a quebra do último tabu. Aí, sim, terão sido banidos todos os valores judaico-cristãos”, alarmou-se.
O vídeo, que viralizou em grupos conservadores de WhatsApp, é exemplo clássico de notícia falsa. Não trata de uma defesa do incesto ou do fim da família patriarcal. Editada, a peça induz ao erro ao suprimir o trecho inicial da fala, em que a parlamentar introduz uma reflexão sobre como, em sua avaliação, a extrema-direita enxerga a estratégia da esquerda na discussão sobre ideologia de gênero. Alertado sobre a edição do material, Rocha disse que reveria o conteúdo, mas continuou repetindo a invencionice, como se nada lhe tivesse sido dito.