26/03/2016
Marqueteiros que admitem caixa dois nas campanhas políticas fogem do ramo com medo da cadeia
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POR MARIANA SANCHES
SÃO PAULO — A amigos, o marqueteiro Duda Mendonça tem dito que cansou de ser o "Judas". Luiz Gonzalez, que comandou campanhas presidenciais para os tucanos, comenta em seu círculo que já não tem mais idade para essas "gincanas". João Santana, artífice da reeleição de Lula e das duas eleições de Dilma, está atrás das grades, indiciado pela Polícia Federal e tentando defender-se das acusações de ter recebido dinheiro desviado da Petrobras como pagamento pelos seus serviços nas campanhas petistas.
Mesmo que estivesse livre, Santana cogitava um ano sabático, fora do Brasil. A saída de cena dos "magos" do marketing político, como são chamados com misto de admiração e escárnio no meio, não é fenômeno isolado. Além deles, dentre os oito profissionais experientes do mercado ouvidos pelo GLOBO, seis garantiram que recusarão esse tipo de trabalho. A explicação para a debandada é dupla: a nova legislação eleitoral, que proibiu doações empresariais e estabeleceu limites de gastos, e a Operação Lava-Jato. As duas circunstâncias combinadas devem mudar a cara do horário político.
— Tenho filho pequeno, se passar 15 anos preso, não o vejo - afirmou um marqueteiro que fez campanhas importantes no Nordeste.
Ele saiu do jogo. E explica:
— Se eu negar dinheiro não contabilizado, eles acabam nunca pagando pelos serviços. É um risco que eu não pretendo mais correr.
Quando Duda Mendonça admitiu, no bojo do processo do mensalão, ter recebido dinheiro ilegal pela campanha do ex-presidente Lula, em 2002, havia uma expectativa de que esse tipo de crime eleitoral fosse abandonado.
A repercussão do caso, no entanto, não impediu que o caixa dois continuasse. A mulher de Santana, Mônica Moura, depois de presa pela Lava-Jato, reconheceu que pagamentos feitos em dólar pela empreiteira Odebrecht eram recurso não contabilizado de campanhas na Venezuela e em Angola. Mônica disse que o casal recebia recursos de caixa dois apenas quando os clientes exigiam tal condição. A suspeita dos investigadores é que Santana tenha recebido por fora da Odebrecht também nas campanhas petistas, e nos documentos apreendidos aparecem pagamentos a pelo menos mais dois publicitários.
— Qualquer pessoa que trabalhe no meio há algum tempo recebeu em caixa dois. Não dá pra negar — afirma outro profissional.
Mesmo os mais cautelosos com contabilidade não tem como saber de onde vieram os recursos.
— Está todo mundo com medo. De repente vai parecer que aquele dinheiro que você recebeu lá atrás foi desviado da Petrobras — diz um renomado marqueteiro.
Outro elemento a empurrar para fora do mercado os grandes profissionais é a questão financeira. Além de estabelecer um teto para os gastos — em 70% do máximo empenhado pelo candidato que mais gastou no pleito para cada cargo —, as regras eleitorais que passarão a ser aplicadas a partir deste ano vedam a doação de empresas. Apenas pessoas físicas poderão dar dinheiro às campanhas - e a contribuição não poderá superar 10% dos rendimentos declarados do doador. Diante disso, a conclusão dos profissionais é uma só: vai faltar dinheiro.
— Campanha é cara. Requer estrutura para emprestar milhões para o candidato em equipamentos e dinheiro, que são pagos meses depois de concluído o serviço. E está embutido no preço o risco do calote — afirma um marqueteiro.
No meio, ninguém acredita que as doações de pessoa física serão capazes de satisfazer as expectativas de ganho dos profissionais. Em tom de chacota, um ex-integrante da campanha de Marina Silva em 2010 conta que a candidata investiu R$ 4 milhões para criar um sistema de doações on-line. Com a ferramenta pronta, arrecadou apenas R$ 140 mil.
No cálculo dos profissionais, para ganhar o que receberam por campanha nas últimas eleições, vai ser preciso assumir trabalho com quatro ou cinco candidatos.
— Vai ter muito amador e iniciante. Podemos ver coisas interessantes, nos moldes uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, mas no geral as campanhas tendem a ser toscas — diz um publicitário que afirma temer que a população acabe mal informada.
Por outro lado, há quem espere mais transparência sobre quem são e o que pensam os candidatos. Seria impossível, no novo cenário, repetir a façanha de João Santana com Dilma. Os publicitários são unânimes em dizer que esse foi um caso em que quem ganhou a eleição foi o marketing, não o partido.
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Do Blog - Sem as polpudas doações por empresas, e com o temor de pessoas físicas encolverem seus nomes num universo que tem jogado na lama muitos nomes grandes no Brasil, as campanhas políticas terão que se reinventar.
E a fiscalização terá que ser mais intensa sobre gastos de campanha, principalmente por candidatos que disputarão reeleição, e tem na mão uma caneta pública cheia de tinta.
Quem está no cargo e vai buscar reeleição, deve ficar ciente que será muito vigiado. Tanto pelos órgãos de fiscalização, que deverão estar mais atentos do que nunca, como pelos adversários, que deverão focar suas campanhas muito mais no adversário que está no cargo do que em propostas.
Até porque todo mundo sabe que todo mundo sabe que ninguém acredita em propostas-promessas de campanha.