17/03/2013
Com ajuda do Sebrae, potiguares conseguem trocar Bolsa-Família por bons negócios
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Da Folha de S. Paulo de hoje, histórias que, com a ajuda do Sebrae, mudaram a vida de quem vivia às custas do governo, mas conseguiu desenvolver seu próprio negócio.
A repórter da Folha veio ao RN a convite do Sebrae-RN.
Eis:
Com próprio negócio, pequenos comerciantes conseguem deixar o Bolsa Família
CLAUDIA ROLLI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO GRANDE DO NORTE
Felipe Victor Gomes dos Santos deixou para trás a plantação de milho e batata, o medo de pescar em alto-mar e a ajuda que recebeu durante anos do Bolsa Família para se tornar o único eletricista qualificado de São Miguel do Gostoso, cidade com 9.000 habitantes no litoral do Rio Grande do Norte.
Há dois anos é "patrão de si mesmo" e de outros dois estudantes de 17 anos que, assim como Felipe, planejam montar seu próprio negócio.
No uniforme e no cartão de visitas, para reforçar a experiência profissional, o desenho de um pequeno raio anuncia: residencial e predial.
"Viver do trabalho era um sonho, entre outros que ainda quero realizar", diz Felipe, 22, que hoje ajuda os pais a cuidar de quatro irmãos.
No quintal da casa do eletricista ficam espalhados escadas, ferramentas e equipamentos de segurança, antes transportados em um carrinho de pedreiro e agora levados em uma moto.
A poucos metros dali está o Mercadinho 2 Irmãos. No estabelecimento de um único caixa, a ex-sacoleira de Caruaru (PE) Silvana Januário da Silva, 28, faz as contas ao lado do marido, Manoel Barbosa da Silva, o Pepeca, 33, e controla o que falta nas prateleiras para atender moradores e turistas atraídos pelos fortes ventos da costa, ideais para a prática do kitesurfe.
Para conseguir fechar o balanço, em uma comunidade na qual a maior parte dos clientes "pendura" as compras na caderneta e paga por semana, o casal decidiu abrir as portas antes da concorrência, às 5h30, e fechá-las também mais tarde, às 20h.
A meta é aumentar o faturamento e pagar o empréstimo feito para montar o mercadinho. Com o CNPJ de microempreendedora em mãos, Silvana deixou há três meses de receber o Bolsa Família.
REI DO PASTEL
Distante 330 km de Felipe e Silvana, Giovani Soares de Paiva, 46, trocou a vida de subsistência como lenhador para ser o "Rei do Pastel" do sertão, em Messias Targino, no interior potiguar. Com a mulher, Lena, 45, e o filho Juan Gustavo, 19, montou uma barraca em frente a sua casa.
A família já faz a conta de como é viver sem ajuda dos cerca de R$ 70 mensais que recebiam do Bolsa Família.
Dona Lena ajuda a fechar o orçamento fazendo faxina na casa de quem precisa --R$ 10 a R$ 20, dependendo de quem pagará a conta.
O "Rei do Pastel" virou atração para os 4.000 habitantes de Messias Targino.
A massa é comprada pronta, de um revendedor de Caicó, cidade próxima, e o produto é frito na hora. São 1.200 pastéis vendidos por semana, a R$ 0,75 cada um. O valor sai do bolso de estudantes e moradores da cidade, que vivem de aposentadoria, do salário de funcionalismo ou de bicos.
As vendas aumentam com as promoções feitas na rádio local, apregoadas em cartazes afixados na fachada da casa ou enviadas por celular -os clientes são catalogados por operadora, e quatro chips dão conta do recado.
"Com o óleo da fritura, faço sabão para o consumo da família e não poluo o ambiente", informa o texto que chega do celular de seu Giovani para o da Folha, assim que a reportagem deixou a cidade.
No vocabulário do empreendedor, que foi fazer cursos do Sebrae no município vizinho para estudar o mercado em que atuaria, já constam palavras e conceitos de quem pensa mais longe: "Se tivesse capital de giro, montaria filial e ampliaria o cardápio".
Felipe, Silvana e Giovani são três dos 244.761 microempreendedores individuais, os MEIs, que foram ou ainda são beneficiários do Bolsa Família, programa de transferência de renda que beneficia famílias em situação de pobreza em todo o país. Foram 13,5 milhões em fevereiro.
Não é possível saber quantos deixaram o programa e passaram a viver com a renda do próprio negócio, mas o Sebrae já identificou essa migração em algumas regiões.
Dos 2,6 milhões de microempresários individuais (formalizados), 9,3% são oriundos do Bolsa Família. "O empreendedorismo é uma porta de saída", afirma Luiz Barretto, presidente do Sebrae. "Se o negócio não der certo, ele tem prioridade para retornar e receber o benefício."
Quase um terço dos empreendedores do Bolsa Família vive nos Territórios da Cidadania, áreas com baixo desenvolvimento que recebem, do Sebrae e do Ministério do Desenvolvimento Social, apoio de agentes de orientação empresarial e de microcrédito.
"São iniciativas que podem ajudar, mas estão longe de resolver a desigualdade regional. O PIB per capita no Nordeste ainda vale 49% do do Sudeste", diz Alexandre Rands Barros, professor da Universidade Federal do Pernambuco, que estuda o tema.
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Abacaxi garante renda a famílias do Rio Grande do Norte
O que para muitos é sinônimo de problema, para 120 famílias de Ielmo Marinho, cidade do agreste do Rio Grande do Norte, é solução.
"Nossa vida é o abacaxi", resume José Xavier de Andrade Júnior, 41, que representa os agricultores da Associação de Desenvolvimento Rural Ramada 1, donos desde 2010 de uma pequena fábrica de doces e geleia, financiada pelo Programa de Desenvolvimento Solidário, com recursos do Banco Mundial.
Foi em 2005 que os agricultores compraram as terras que durante anos arrendavam para plantar o fruto.
Com o apoio da Secretaria de Reforma Agrária do Estado, fizeram financiamento de 15 anos, pago com a renda conseguida na produção.
Na área, já são quatro ramadas --o nome vem dos ramos do abacaxi e serve para estampar os rótulos dos potes de doce de abacaxi e de outras frutas plantadas também no quintal das casas dos agricultores e que viram compota. São 30 famílias em cada ramada, e 12 hectares para cada família.
Aos poucos os agricultores que podem vão se desligando de programas como o Bolsa Família e o Bolsa Estiagem --benefício que auxilia trabalhadores da agricultura familiar com renda mensal média de até dois salários mínimos e que vivem em áreas castigadas pela seca ou por situações de calamidade pública.
São 18 meses de cultivo até a colheita. Neste ano, foram 24 mil abacaxis por hectare, vendidos entre R$ 0,80 e R$ 1 por unidade --o preço cai quando a oferta é maior.
Encerrada a colheita, o gado entra em campo para se alimentar da palha do abacaxi e adubar a terra. "Com a seca deste ano, vendemos até a palha do fruto para outras fazendas de regiões próximas", diz Francisco Freitas da Silva, 36, conhecido no assentamento como Henrique.
ÁGUA NO ABACAXI
Pela primeira vez, os agricultores vão conseguir neste ano plantar fora de época, o que deve lhes render um preço melhor por fruto. A associação conseguiu crédito com o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para fazer irrigação das áreas de plantio.
Os canos e os motores para bombear água já estão sendo instalados na vila comunitária onde vivem as famílias e nos açudes dos agricultores.
"Aprendemos com apoio técnico do Sebrae, por exemplo, a usar o carbureto de cálcio na produção. Assim o abacaxizal cresce todo no mesmo padrão", afirma a agricultora Janete Januário, 45.
Ela foi tentar a vida no Rio e na Paraíba, mas decidiu voltar em 2001 para o assentamento. "Viver na cidade grande é uma ilusão. Tenho o sangue da terra na veia."
Ielmo Marinho faz parte do programa Território da Cidadania do Potengi, com outros dez municípios do agreste do Rio Grande do Norte. É uma das 1.609 cidades em territórios atendidos pelo Sebrae.
"A ideia é aproveitar o potencial de cada região, do turismo à agricultura, e capacitar os empreendedores locais para interiorizar o desenvolvimento e permitir a melhora na vida dessas essoas", diz André Silva Spínola, gerente de Desenvolvimento Territorial do Sebrae.
Desafio do governo ainda é diminuir desigualdades regionais
Apesar da diminuição dos índices de pobreza no Brasil e da melhora de vida principalmente em cidades menores (mais dependentes de programas de transferências de renda), a desigualdade regional ainda é o maior desafio que o governo Dilma Rousseff e outros deverão enfrentar, ao menos, nas próximas duas décadas.
A opinião é de especialistas de diferentes universidades e regiões do país.
Para Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor da Universidade de Brasília, a mobilidade social no país é grande, mas as pessoas ainda se movem em curtas distâncias.
"De empregada doméstica informal, passa para manicure, por exemplo. A situação melhora um pouco, mas a distância ainda é pequena de uma situação de maior risco", diz.
No caso da migração identificada pelo Sebrae, faz um alerta: "Qualquer tipo de negócio, seja entre pessoas mais ou menos favorecidas, vai enfrentar a competição com outros, além de poder ter falhas e fecharem. Não existem soluções mágicas".
Na opinião do economista Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o desafio é criar meios para que os que vivem de pequenos negócios consigam de fato se inserir na economia local.
Para o sociólogo Jessé de Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora, não se pode considerar apenas a situação econômica para entender por que algumas pessoas ascendem e outras não.
"No Bolsa Família ou noutro programa, é preciso considerar a economia afetiva, a solidariedade. Não se pode medir só consumo e renda para dizer que a vida melhorou."(CLAUDIA ROLLI)