18/08/2012
Em artigo no JB, Erick Pereira lamenta a falta de vocabulário sofisticado no julgamento do mensalão
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Do advogado potiguar Erick Pereira, no Jornal do Brasil, que agora é Online:
Mensalão: ausência dos grandes tribunos
Inimaginável pensar em antigos grandes tribunos fazendo comparações com roteiros da novela das 20h
Erick Wilson Pereira, Jornal do Brasil
“Eu me sinto exaurido de tanto ouvir”, disse o ministro Marco Aurélio de Mello acerca da ação penal 470. Não está isolado na apreciação. Conteúdo insanamente exorbitado à parte, desconfio que as sonecas e cochilos tirados por alguns ministros decorreram de circunstâncias mais prosaicas que do prenúncio de votos prontos e impermeáveis às sustentações orais. E que o cansaço que acometeu os que se enfronharam na assistência das sessões vespertinas do STF muito se deveu à inaptidão dos oradores.
Os indícios de politização do processo e seus reflexos nas pressões sobre os julgadores e a opinião pública exacerbaram o sentimento de ausência dos grandes tribunos. Com exceção de uns poucos versados nas artes da retórica e da lógica jurídica, os resultados foram decepcionantes.
As opiniões hiperbólicas do procurador-geral, ostensivamente encampadas por uma mídia justiceira, reforçaram a constatação do vazio deixado por acusadores e defensores que atuaram em um passado recente. Pois não concebo a experiência e o conhecimento jurídico e histórico de Sepúlveda Pertence ou Moreira Alves abonarem o mensalão como “sem dúvida o maior e mais atrevido esquema de corrupção visto no Brasil”.
Assim como não reputo a eloquência de Vital do Rego, Raimundo Asfora ou Ronaldo Cunha Lima, apenas para destacar figuras nordestinas – a oratória nacional ainda está a dever homenagem aos grandes tribunos paraibanos –, aderir a certos enunciados: “os textos produzidos pelo Ministério Público estão cheios de furos e esparadrapos”; “meu cliente era um zero à esquerda em questões políticas”; ou “ela era uma funcionária mequetrefe, (...), uma batedeira de cheque”.
Igualmente, não consigo imaginar Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Evaristo de Moraes Filho ou Troncoso Peres tecendo comparações do gabarito de: “essa denúncia é roteiro para novela das 8”; “até na novela das 8 a Carminha disse que ia processar a Rita por formação de quadrilha”; “é o direito penal nazista – se é judeu, mata”; “como esse crime prescreveu, foi criada essa metamorfose ambulante denominada mensalão”; ou “isso aqui não é um açougue, é o Supremo Tribunal Federal (...)”.
Com algumas exceções, faltaram os epílogos com perorações empolgantes, a sofisticação vocabular em harmonia com o ritmo da fala, a argumentação lógica e a persuasão reveladora. A nossa cultura jurídica, tão rica, foi preterida pelas menções às criações de Chico Buarque, Cazuza, Raul Seixas, Drummond e Khalil Gibran – notáveis, nas respectivas áreas –, afora os lastimáveis cotejos com as novelas da Globo... Restou a sensação de que o arrebatamento intelectual foi substituído pela superficialidade, e o brilhantismo argumentativo próprio pelos sofismas e excessos de referências.
A propósito da mediocrização daqueles que preferem o laurel das massas, sugiro a leitura de Joaquim Nabuco, por muitos considerado o nosso maior orador: “A oposição será sempre popular; é o prato servido à multidão que não logra participar no banquete". O perigo da retórica popularesca e vulgar é servir aos objetivos e caprichos da acusação.
* Erick Wilson Pereira é doutor em direito constitucional pela PUC/SP.