15/07/2011
Das tragédias...
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Do jornalista Rubens Lemos Filho, em seu blog (www.rubenslemos.com.br), sobre as tragédias que nos assustam tanto. Sobre as tragédias que nos fazem tão mal. Sobre as tragédias que nos fazem refletir.
Tragédias como a de ontem...que deixou muitos órfãos.
O AMANHÃ DAS TRAGÉDIAS
Rubens Lemos
Além de egoísta, a tragédia é uma herança exclusiva dos amores próximos. Na Grécia, o filósofo Aristóteles teorizou com precisão como se mirasse o mundo de hoje antes de eternizar a definição da desgraça.
Para ele, a tragédia é resultado de uma catarse de audiência e o ser humano, de forma consciente ou não, é atraído pelo sofrimento dramatizado.
A tragédia grega, que virou lugar comum de catástrofe seguida por inenarrável comoção, tem origem obscura e, por teoria, segundo livros que passei a vista por obrigação estudantil, tinha característica contraditória entre a seriedade e a dignidade. Definitivamente, catástrofe não combina com o estilo sóbrio das duas virtudes acima.
Longe de mim o esnobismo conceitual. A tragédia é uma cínica. Não penso em dimensioná-la pelo efeito episódico de cada dose do seu veneno.
A tragédia está em todo drama particular. Que explode, se estampa ou não no jornal, no portal, na televisão, nas redes sociais , provoca solidariedade e momentânea e depois some quando outro fato lamentável a substitui como uma carta tomando o lugar de outra num jogo mórbido.
Para quem fica viúvo, órfão ou saudoso de alguém querido, a tragédia é uma cutilada para sempre. É a mãe que não pode arrumar o quarto do filho que já morreu, como no verso do revés do parto de Chico Buarque de Holanda na canção Pedaço de Mim.
Esta é a tragédia maior que apavora a unanimidade dos pais. A inversão do valor natural da vida. Sepultar um filho, imagino, é ser enterrado de alma e continuar vagando, definhar e pedir para desaparecer de verdade.
Um companheiro do meu pai, que deixo no anonimato pelo absoluto respeito que ele merece. Primeiro, morreu sua mulher, vítima de câncer, e o corpo de atleta transformou-o num esquelético sem dieta programada.
Abandonou os amigos e, num tratado sem discussões, abriu mão da alegria e ela, penalizada, esqueceu dele. Em 2008, perdeu um filho, jovem, do inesperado, de problemas cardíacos. Sua tragédia acabou quando ele próprio foi posto dentro do túmulo, um ano e meses depois.
Tragédias pessoais e particulares são professoras. Nas minhas perdas, fiquei mais só. Por opção me tornei mais seletivo, menos exposto, mergulhei em reflexões, me vi mais próximo dos poucos, leais e verdadeiros amigos que não me abandonaram quando a parte formal da liturgia da morte foi encerrada. Mas a tragédia da falta dos que se foram está e estará comigo até quando vida eu tiver.
A tragédia é de quem fica. A angústia conseqüente da queda do pequeno avião da Noar não pertence aos 16 mortos carbonizados e brevemente esquecidos do noticiário. Ficará no coração e no inesperado dos que voltarão para casa para numa noite qualquer, relembrar o vinho tomado, a música preferida, o jantar planejado, o despertar numa manhã de sol.
A saudade é irmã do vazio, prima e confidente do desespero, parceira maligna do tormento, traiçoeira destruidora do sorriso, enchente avassaladora das estradas do sossego, semente venenosa do pranto, peste perniciosa da dor.
Faço o texto remoendo a entrevista, ainda sob forte impacto, de Diógenes Veras , marido da educadora Antônia Fernanda Jalles, uma das ocupantes do avião que explodiu próximo à praia de Boa Viagem em Recife(PE).
Diógenes tinha buscá-la no aeroporto de Parnamirim e recebeu o telefonema de um dos filhos, avisando-o do acidente. Na luta contra os redemoinhos do impossível, ligava atordoado ao celular da mulher. Encerrou dizendo que a vida cuidará de confortá-los. Sem conhecê-lo e em seu nome, minha solidariedade a todos.
E, cada vez mais, a revolta enxerta meu questionamento sobre a religião aplicada como analgésico nas tragédias, e amplifica minha devoção ao mais humano dos Apóstolos, Paulo, sábio ao contemplar o mar imenso como a sua dúvida e a exclamar: “Morte, afinal, qual é mesmo a sua vitória?”