08/07/2010
Do Juiz da propaganda eleitoral: há vagas na Penitenciária de Mossoró para os criminosos da internet
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Juiz há 28 anos, já tendo atuado nas comarcas eleitorais de Augusto Severo (hoje Campo Grande), São Gonçalo do Amarante e São Miguel, Ivan Lira será o nome mais solicitado pela imprensa nos próximos meses.
É que ele foi escolhido, junto aos colegas Zeneide Bezerra e Aurino Vila, juiz da propaganda eleitoral.
Será dele toda e qualquer decisão durante a campanha quando o assunto for mídia.
O que pode e o que não pode?
Ivan tem bagagem suficiente para julgar com maturidade e isenção os feitos e defeitos da campanha que se inicia.
Desde 1987 em Natal, onde atuou até novembro de 1993 na 2ª Vara Cível, sempre substituindo – por gostar de Direito Penal - os colegas das Varas Criminais (tóxicos, homicídios etc.), Ivan Lira foi empossado juiz federal em dezembro no final do mesmo ano.
Além das comarcas do interior, Ivan Lira teve outras atuações em períodos eleitorais.
“Fui designado para judicar no período pré-eleitoral e em eleições nos municípios de Serra Negra do Norte, São João do Sabugi, Campo Grande e Janduís. De 1989 a 1991 fui Juiz Eleitoral da 4ª Zona de Natal (à época, a maior do Estado), cumulando com a Coordenação da Propaganda Eleitoral, que à época não ficava a cargo do TRE, como acontece atualmente. Entre 1997 e 1999, fui Suplente do TRE, período em que atuei como Juiz Auxiliar da Propaganda Eleitoral do pleito de 1998 (eleições para Governador, Senador, Deputados Federais e Estaduais)”...
O perfil do juiz da propaganda eleitoral?
“Nem ‘durão” e nem ‘molão’. Conciliador, até enquanto a corda permite... A conciliação mais importante, para mim, é a que eu celebro com o meu travesseiro. Se, depois de um dia de trabalho, o sono cair leve, sinto que fiz justiça. Se a insônia tiver por motivo a dúvida sobre a justeza de uma decisão, corro para o computador e a refaço’, definiu-se o magistrado, que em sua carreira na área eleitoral, tomou algumas decisões consideradas radicais.
“As decisões mais radicais que tive que tomar, como Juiz da Propaganda, nos dois períodos acima referidos: as que tiraram do ar emissoras de rádio e televisão, por reiteração de propaganda ilegal. Lastimava o prejuízo financeiro que as emissoras suportariam e o descrédito ao qual foram jogadas, dali para diante, perante os ouvintes ou telespectadores. Mas, como não havia outro meio de colaborar para o equilíbrio da eleição, a força era o que me restava. Senti dó de uma senhora idosa, antiga vizinha, que me abordou em um supermercado dizendo: “Mande ligar só na horinha da novela...”. Mas a democracia pedia mais que isso’, revelou Ivan Lira, que respondeu a outras perguntas do Blog sobre como será a relação imprensa X justiça no período aberto à temporada de caça aos votos, onde muitos põem em prática o ‘vale-tudo’.
Thaisa Galvão - Como será fiscalizada a propaganda eleitoral no RN?
Ivan Lira - Através da atuação dos Juízes das Zonas Eleitorais, que após a apuração preliminar e urgente das ocorrências, remeterá os informes ao Ministério Público que atua junto ao Tribunal Regional Eleitoral. Outra forma de controle bastante eficiente é levada a efeito pelos Partidos Políticos ou Coligações, bem como pelos próprios cidadãos, que podem até mesmo notificar o infrator para que cesse a propaganda irregular, e em caso de desatenção, levar o fato ao conhecimento do TRE ou do Ministério Público Federal.
Thaisa Galvão - A Justiça Eleitoral tem estrutura suficiente para acompanhar tudo ou só tomará decisões se provocada por denunciantes?
Ivan Lira - A postura da Justiça Eleitoral é cada vez mais a de confiar no espírito cidadão das pessoas e dos candidatos, no sentido de coibir abusos na propaganda. Mas, o poder de polícia do qual são investidos os Juízes das Zonas Eleitorais garante a presença do Judiciário em favor do equilíbrio eleitoral.
Thaisa Galvão - A Justiça terá um olho vivo apontado para as emissoras de TV de propriedade de políticos?
Ivan Lira - Não especificamente em razão da titularidade da concessão desse serviço público (a geração ou a retransmissão do sinal de TV), mas considerando a potencialidade de comunicação social dessa mídia. Para mim, particularmente, não interessa se o dirigente ou o acionista é “A” ou “B”. Atentarei para os fatos.
Thaisa Galvão - O que acontecerá caso uma emissora beneficie um candidato mais do que outro?
Ivan Lira - Multa, entre R$ 21.282,00 e R$ 106.410,00. O mais grave: a retirada do ar, por 24 horas. Em caso de reincidiência, a retirada do ar será duplicada a cada vez. Além disso, poderá render, dependendo do caso, responsabilidade criminal da pessoa que fez a propaganda, podendo advir pena de prisão.
Thaisa Galvão - TV e rádio são concessões públicas. Somente nesses casos o espaço oferecido para um candidato tem que ser igual, ou a legislação também se aplica a outros veículos de comunicação?
Ivan Lira - Em princípio, a sua pergunta já contém a resposta: espaço igual para todos os disputantes, no rádio e na TV. Em outras mídias, a exemplo dos blogs, esse desequilíbrio poderá ser aferido na caracterização de propaganda expressa, a partir do “melhor tratamento” dispensado aos demais disputantes. Será analisado cada caso.
Thaisa Galvão - Como se comporta a lei eleitoral em relação a jornais impressos? A cada eleição ficam claros os posicionamentos. A regra é diferente da mídia eletrônica?
Ivan Lira - A Resolução 23.191 do TSE viabiliza a divulgação de propaganda paga nos jornais, desde que ocupando apenas 1/8 de página na edição padrão e ¼ nos jornais tamanho tablóide. Se o jornal tiver também edição eletrônica, poderá reproduzir o “flip” do jornal impresso. Quanto aos blogs, especificamente, não existe essa abertura, o que eu considero uma falha da legislação, conforme já disse recentemente em entrevista dada a uma emissora de rádio de Natal. Espero que o legislador e o TSE atentem para essa realidade (a comunicação social eletrônica feita por blogs inseridos no modelo capitalista) para as próximas eleições.
Thaisa Galvão - A internet vai ser o calo no pé da justiça nas eleições deste ano? Ivan Lira - Acho que vai ser o calo no pé dos infratores. A Justiça Eleitoral (pelo menos eu penso assim...) imagina que tudo correrá nos conformes, exceto poucos infratores.
Thaisa Galvão - O TSE definiu que o anonimato será vedado na internet. Como fazer para combater o anonimato? Existem ferramentas?
Ivan Lira - Como a Justiça Eleitoral não trabalha com a idéia de censura prévia, ficará aguardando as representações ou outras comunicações acerca do anonimato usado como capa para a prática de infrações penais. Obviamente só interessará ao TRE os casos que tenham potencialidade propagandística ou que atentem contra a honra e a imagem das pessoas envolvidas no pleito. Penso que, não raramente, o caso será de polícia (e não de política...) e exigirá a intervenção da Polícia Federal, que tem setor especializado em crimes de informática. Desejo, ardentemente, que não chegue a esse ponto, mas, se necessário, a Penitenciária Federal em Mossoró ainda tem vagas. Lembro que eu sou o Corregedor dessa Penitenciária.
Thaisa Galvão - É possível descobrir autores, por exemplo, de blogs apócrifos?
Ivan Lira - Em tecnologia da informação já vigora o “princípio da inexistência da prova zero”. É mais fácil alguém manter oculto o rastro do crime perpetrado no “mundo real” do que no “mundo virtual”.
Thaisa Galvão - Falando em blogs, como será a fiscalização? É possível tomar conhecimento de todos?
Ivan Lira - Em razão do tamanho magnífico da Rede Mundial de Computadores, é extremamente difícil o controle de todos os blogs, webpages etc. Mas não é impossível que um fato irregular em termos de propaganda chegue ao conhecimento do Judiciário Eleitoral.
Thaisa Galvão - Que orientação você dá aos blogs jornalísticos?
Ivan Lira - Que se orientem pela ética, lembrando que o nome que constroem pode ir abaixo em decorrência do envolvimento em apuração de propaganda irregular. O nome do responsável pelo blog é o seu maior (e às vezes o único...) patrimônio para se manter no mercado de informações.
Thaisa Galvão - E o twitter?
Ivan Lira - É uma nova e instigante forma de comunicação entre pessoas. A ele não se aplicam, com rigor, as mesmas regras dos blogs. Eu sempre digo que o twitter é uma “esquina virtual”, onde as pessoas se encontram para comunicar as novidades. No twitter, assim como nos cafés, nas livrarias, nas paradas de ônibus, se alguém ataca a honra de outra, corre o risco de ir para a cadeia.
Thaisa Galvão - Os tuiteiros se mostram mais corajosos. Atacam com facilidade mas nem sempre são pessoas com identidade. São anônimos. Como fazer com essas pessoas?
Ivan Lira - Vale a resposta anterior.
Thaisa Galvão - Existe forma de rastrear tuiteiro?
Ivan Lira - Sim, como já disse, não existe “risco zero” em tecnologia da informação. Eu já participei de vários seminários acerca do assunto, pois sou, também, Professor de Direito Penal na Graduação e no Mestrado da UFRN e de outras instituições, tendo, dentro das minhas atividades de pesquisa, a área de crimes de informática.
Thaisa Galvão - Você acha que a justiça eleitoral cumprirá seu papel satisfatoriamente em relação à internet?
Ivan Lira - Penso que sim. O equilíbrio e o razoável conhecimento desse meio de integração social e de pesquisa, que é a Internet, são as chaves do sucesso para que a Justiça Eleitoral contribua para a consolidação da democracia.