09/01/2010
Médico explica porque o SUS faz mal para quem precisa, e muito bem para poucos
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Sobre o post com a reclamação do leitor Paulo Oliveira, acusando a classe médica de tentar enterrar o SUS e privatizar a Saúde, o médico Inamar Torres dá a sua opinião.
Na visão dele, ninguém quer enterrar o SUS, mas deixá-lo como está...para o bem de quem não pensa no bem da população.
Entenda melhor as palavras do médico e leitor do Blog:
Cara Jornalista - e blogueira - Thaisa Galvão.
Referindo-me ao comentário do respeitável leitor Paulo Oliveira Guedes, sobre o SUS, gostaria, como seu também leitor, que você divulgasse uma forma diferente (com lentes diferentes) de ver o mesmo problema.
No caso, com as lentes de um médico que, formado em 1982 (UFRN), sempre trabalhou com – e para – o SUS (no RN), desde o início (o SUS foi criado e implantado a partir do advento da Lei n.º 8.080/1990).
Não, meus jovens, ao final arrematarei porque não creio que haja qualquer tentativa de ‘matar’ o SUS, nem tampouco em remover algum ‘cadáver do SUS’, aquele que, tendo sido implantado com a promessa de ser o melhor plano de saúde do mundo (e ainda é sim: para quem tem pistolão nos altos escalões das Secretarias de Saúde, e não quer ou deseja gastar dinheiro e pode dele – do SUS – obter as coberturas aos procedimentos sofisticados).
Aquele SUS de outrora que, não tendo ‘se dado ao respeito’, se já não morreu e encontrar-se insepulto, com seu corpo moribundo a desafiar a medicina de boa qualidade (medicina que o SUS, já há muito, não sabe o que é isto), encontra-se em morte cerebral ou mesmo num coma profundo e prolongado.
Na verdade, numa situação de distanásia.
O SUS, no início, quando era efetivado e executado da forma que até hoje se encontra preconizado – seus objetivos, propósitos e metas ainda estão lá, na Lei e em suas NOBs (Normas de Operacionalização Básica) –, tanto pagava ao médico e aos demais profissionais o salário/honorário que eles merecem (verba destinada a manter e dar suporte à vida privada, social, familiar e profissional aos que trabalham com os 2 bens mais valiosos da terra: saúde e vida humanas), quanto proporcionava aos usuários-pacientes o que eles necessitam (saúde integral com acesso total e irrestrito – na hora e tempo certos), às custas de aparato, humano e tecnológico, sempre atualizados, ditos ‘de ponta’, modernos, que em nada deixavam a desejar em relação á medicina dita particular.
Quando isto começou a ocorrer – puxem pela memória – foi aí que, na mesma época, surgiram as empresas intermediadoras, corretoras, predadoras e atravessadoras de serviços de saúde, aquelas que nada produzem, mas pegam serviços e produtos (de ‘prestadores’) com uma mão e vendem-repassam com a outra, aos seus ditos ‘usuários-clentes’, acrescentando-lhes a mais valia, lucro este que tem sido potencializado tanto pelo constante calote em seus prestadores quanto pela negativa em massa em autorizar-pagar a consecução de procedimentos e em fornecer-ressarcir materiais, quando estes serviços e materiais, perigando atingir um teto máximo de gasto, lhes ameaçam o patamar mínimo de lucro.
Não há como deixar de dar razão (a querer ganhar bem - honestamente) ao médico que, ganhando R$2.000,00 por 20h/semana na Prefeitura ou R$4.500,00/40h no Estado.
Não deixe em casa a mesma segurança financeira, para sua família, que deixa um Auditor Fiscal (acima de R$12.000,00), ou mesmo um Promotor, Juiz e Procurador de Estado (acima de R$19.000,00), mormente quando estes estudam 5 anos, em turno único, sem plantão, para cujas tarefas quase não há emergências e para cujos ‘erros’ e falhas, todas têm recursos e apelações, facilidades que não têm os médicos (atendem aqui e agora e, se um paciente na emergência morre, decerto não vai dar certo interpor um Agravo de Instrumento para Deus, ou vai?).
Lado outro, assiste e sempre assistirá razão ao leitor Paulo O. Guedes, quando se indigna – e todos deveríamos com ele fazer coro – com a enorme gama de interesses escusos que enodoam, vilipendiam, desmoralizam e achincalham o SUS, a começar pelos administradores inescrupulosos, desde quando descobriram que as dispensas de licitação são o caminho para a perpetuação da enorme torneira (ou adutora?) por onde o dinheiro do SUS tem sido canalizado para toda sorte de esquemas desonestos (daí donde vem o termo “dispensas licitatórias piedosas”), dentre as quais já sabemos todos, tanto dos nomes das operações policiais quanto das homéricas, previsíveis, enfadonhas e repetitivas renovações de contratos com quem presta serviços ao SUS com pessoa jurídica, substituindo quem outrora já tanto prestou serviços de boa qualidade quanto também era muito bem remunerado.
Enquanto isto, creiam todos que, tanto o usuário que experimentou o SUS do início, quanto o médico e demais profissionais que também desde sua implantação estiveram presentes com sua força de trabalho, ainda dizem, em coro: “ -- Eu era feliz e não sabia!”. A situação de distanásia (manter um corpo como vivo, embora praticamente inviável, às custas de medicamentos e aparelhos – e sofrimento do paciente) do SUS é similar à da educação pública, sendo aquela para garantir que o SUS não morra (para não ressuscitar de boa qualidade), ameaçando os esquemas: escusos-milionários e os lícitos dos planos de saúde (que se o SUS voltar a ser bom, vão viver de quê?), assim como já fazem, há anos, com o ensino público, que não deve morrer (para acomodar e anestesiar as massas) mas não pode ressuscitar, para ameaçar os gordos lucros das escolas privadas.
É por estas e outras, meu caro Paulo, que não pense que vão “matar o SUS”, pois tais tipos – sejam eles médicos ou empresários, políticos, etc. – não são burros, muito menos lerdos, para matarem, senão a vaquinha na qual bem mamam, a galinha dos ovos de ouro – o segredo, para eles, não é matar o SUS, mas mantê-lo de tal forma manietado e refém, para que só a eles aproveite, ao menos enquanto todos nós continuemos a pecar pela omissão.
Atenciosamente, sempre com votos de sucesso.
Inamar Torres, 52, médico
Concursado da SESAP-SUS, desde 1º.8.88, e advogado, Perito, Parecerista e Consultor em Direito Médico, Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – ABDMS, Professor na Escola Paulista de Direito – EPD (S. Paulo-SP), Presidente da Comissão Permanente de Sindicância do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (Natal-RN).